quinta-feira, 4 de março de 2021

O incrível comboio Larmanjat



Todos os direitos reservados © Fausto Castelhano, "Retalhos de Bem-Fica" (2006)


(por Fausto Castelhano)

Reconstituição de estação terminus do caminho-de-ferro monocarril sistema Larmanjat em Portugal
(Ilustração de Robin Barnes)



O comboio Larmanjat, singular sistema ferroviário monocarril desenvolvido pelo engenheiro francês Jean Larmanjat foi aplicado em Portugal em três linhas: cidade de Lisboa, Torres Vedras e Sintra.

Jean Larmanjat (in Diário Illustrado, 02/06/1873)


A linha experimental entre a estação do Arco do Cego e o Lumiar seria inaugurada em 31 de Janeiro de 1870, mas o troço até à vila de Sintra apenas entrou ao serviço em 5 de Julho de 1873 e a linha de Torres Vedras somente seria aberta no dia 6 de Setembro do mesmo ano. As linhas de Torres Vedras e Sintra totalizavam cerca de 50 milhas (80 Km).

O comboio ferroviário monocarril Larmanjat
(in The Engineer de 18 de Abril de 1872)


Depois de alguns anos de funcionamento, marcados por vários problemas, essencialmente técnicos, o sistema ferroviário Larmanjat foi definitivamente abandonado em 1877 devido à falência da companhia exploradora.

Antecedentes do caminho de-ferro Larmanjat

Após a inauguração do primeiro troço de caminhos-de-ferro em Portugal no dia 30 de Outubro de 1856 entre Lisboa e o Carregado, várias zonas de Portugal reclamaram a construção deste novo meio de transporte, incluindo o Oeste Litoral. Entre os argumentos expostos pelas autarquias da região, destacava-se a presença da vila de Caldas da Rainha, então um importante centro de turismo balnear no país, o qual era considerada como o segundo principal destino a ser servido pelo caminhos-de-ferro em Portugal, fora dos eixos estratégicos.

 Mas o primeiro destino seria a vila de Sintra, uma vez que a sua riqueza monumental se afirmava como o mais relevante pólo turístico e cultural no país. Porém, o governo não alterou os planos que já tinha estabelecido para o traçado da Linha do Norte que atravessava o interior do país, mas ainda assim e devido à sua importância, manteve-se a ideia de ligar a região do Oeste através do caminho-de-ferro.

Lançamento da 1ª pedra em 1840 para construção dos Caminhos-de-Ferro em Portugal
(in The Illustrated London News. May 28, 1853)

Lançamento da 1ª pedra em 1840 para construção dos Caminhos-de-Ferro em Portugal
(in The Illustrated London News. May 28, 1853)

Início dos trabalhos da construção da linha férrea Lisboa/Carregado com a presença da Rainha D. Maria e D. Fernando (Aguarela de António Joaquim Santa Bárbara)

Inauguração da linha dos caminhos-de-ferro Lisboa/Carregado
(Aguarela de António Joaquim Santa Bárbara)


O sistema ferroviário monocarril Larmanjat

Na Exposição Universal de Paris realizada em 1867, o engenheiro francês Jean Larmanjat apresentou um sistema ferroviário de sua invenção que utilizava o leito das estradas e que necessitava apenas de um carril central, além de duas travessas laterais em madeira. No ano seguinte, realizou-se a primeira viagem utilizando o comboio Larmanjat na estrada entre Le Raincy e Montfermeil, encontrando-se, entre os convidados, o Duque de Saldanha, o qual ficou entusiasmado com o sucesso da viagem tendo pensado, desde logo, em instalar em Portugal o sistema Larmanjat como uma forma de desenvolver o transporte ferroviário no país.

Gravura do caminho-de-ferro monocarril construído por Larmanjat entre Nancy e Montfermeil
(Gravura a partir de fotografia de Branche-Illustration Journal Universal de 22/08/1868)

Sistema ferroviário monocarril Larmanjat em 1868 (Collection ANTUIR, 1868)


Contudo, Saldanha não foi o primeiro a querer instalar um caminho-de-ferro Larmanjat em Portugal, pois em 4 de Abril de 1868, Manuel Francisco Feijão pediu autorização para construir uma rede ferroviária baseada no referido sistema ligando Lisboa, Alcântara, Belém, Campo Grande, Lumiar, Poço do Bispo, Sintra, Oeiras e outros locais. A rede ferroviária devia estar concluída em 5 anos e seria construída sem quaisquer apoios financeiros por parte do Estado, mas com isenção de impostos alfandegários. A concessão teria a duração de 60 anos, além de direitos exclusivos num raio de 100 Km em redor da capital. Porém, este projecto enfrentou a oposição do governo, o qual receava que a introdução do mencionado sistema nas estradas nacionais, demasiado estreitas, estorvasse o trânsito rodoviário. Por outro lado, também não concordava com as facilidades que eram exigidas por Manuel Feijão.

Duque de Saldanha, João Carlos Gregório Domingos Vicente Francisco de Saldanha Oliveira e Daun
(in Museu Nacional Soares dos Reis, Porto)

Experiência com o comboio ferroviário monocarril do sistema Larmanjat na zona de Trocadero, em Paris
(in Voir, página 538)


A publicação destes dois diplomas demonstra a influência que o Duque de Saldanha ainda possuía, quer a nível político, económico/financeiro, apesar da mudança de governo e os veementes protestos da Companhia Real dos Caminhos-de-Ferro Portugueses. O sistema ferroviário Larmanjat foi muito mal aceite, tanto por utentes e não utentes, cocheiros e carroceiros, poetas e de modo geral foi bastante ridicularizado por toda a imprensa, a qual lhe chamava “comboio de areia”, “demónio negro”, etc. Houve mesmo espancamento de maquinistas e actos de sabotagem.

Mapa das linhas de caminho-de-ferro monocarril sistema Larmanjat e duplo carril sistema Stephenson das linhas de Sintra e Torres Vedras Oeste da Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portuguezes 


Em 24 de Janeiro de 1870, foi feita a primeira experiência do comboio Larmanjat na linha do Lumiar. A locomotiva saiu às 15 horas da Estação do Rego enquanto Jean Larmanjat acompanhava a experiência viajando num trem. A locomotiva deslocava-se com grandes dificuldades e só ao fim de muitos esforços é que conseguiu mover-se, tendo percorrido cerca de 200 metros para além das portas da cidade. No dia 31 de Janeiro de 1870 foi realizada a cerimónia de inauguração em Lisboa no percurso que ligava o Arco do Cego e o Lumiar e teve a presença do Duque de Saldanha, não obstante continuaram as dificuldades técnicas, exacerbadas pela constante precipitação de chuva que se fazia sentir nesse dia. O comboio Larmanjat inaugural era composto por uma locomotiva e duas carruagens, uma de primeira classe e uma outra de segunda classe que transportava os convidados.


Comboio monocarril Larmanjat (in Boletim da CP nº 415, Janeiro de 1964)

O comboio monocarril Larmanjat Montfermeil
(Gravura a partir de fotografia de Branche-Illustration Journal Universal de 22/08/1868) 


A estação estava instalada no antigo palácio dos condes de S. Miguel situado na zona de Santa Bárbara, em Arroios. Quando o comboio tinha percorrido apenas 10 metros, parou; depois, voltou a movimentar-se para se deter ao fim de outros 10 metros. A locomotiva só conseguiu deslocar-se nos troços em patamar, contudo não conseguia ultrapassar as rampas especialmente a rampa de Arroios e deste modo, houve a necessidade de abandonar a última carruagem que a locomotiva, mais tarde, veio rebocar. Por volta das 16 horas, o comboio Larmanjat já tinha conseguido percorrer três vezes o percurso até ao Lumiar, concluindo-se desta forma a viagem inaugural. No entanto, houve muitíssimo entusiasmo das populações que vitoriaram o rei D. Luís, a soberana inglesa, o marechal Saldanha, etc., quando se mostraram viajando naquele comboio, um acto político público visando demonstrar que este era um meio de transporte bastante seguro, mas que na realidade não convenceu praticamente ninguém e só foram aclamados pela sua grande coragem, ousadia ou loucura em viajar no “comboio da morte”, fama de que o comboio Larmanjat nunca se livrou enquanto existiu.

Locomotiva do comboio monocarril Larmanjat (in The Engineer de 18 de Abril de 1872) 


Apesar de tantas contrariedades, a cerimónia foi rematada com um farto jantar na estação de Arroios. Também no dia 5 de Fevereiro, o Rei D. Luís fez uma viagem no comboio até ao Lumiar e no dia seguinte, a direcção organizou um comboio que fazia gratuitamente 3 viagens de ida e volta entre as estação central do Arco do Cego e a estação do Lumiar demorando, respectivamente 50 e 60 minutos na ida e na volta tendo esta iniciativa obtido enorme sucesso entre a população da capital.


Formação da empresa dos comboios Larmanjat

Uma vez que os empreendimentos deste tipo necessitavam de avultados fundos e que eram difíceis de conseguir em Portugal, procurou-se transmitir as concessões para uma empresa estrangeira. Assim, em Setembro de 1870, o Duque de Saldanha resolveu vender a sua concessão, por 5000 libras, a uma empresa fundada em Londres, a The Lisbon Steam Tramways Company, representada em Lisboa por Eduardo Pinto Basto & C.ª. A empresa pediu ao governo a aprovação do trespasse, a qual foi concedida no dia 27 de Fevereiro de 1872, mas entretanto, em 1871, o governo de Fontes Pereira de Melo já prorrogara o prazo para a entrada do material que estava isento de todos os impostos na Alfândega de Lisboa.

Experiências do comboio Larmanjat no Reino Unido


Nos dias 2 e 3 de Janeiro de 1873, foi efectuada uma experiência no Reino Unido utilizando um dos comboios no sistema Larmanjat composto pela locomotiva Cintra, uma carruagem de segunda classe e outra de terceira classe, além de um vagão. Para a experiência foi construído um troço na Floresta de Epping, em Buckhurst Hill, com o comprimento de 521 m, uma inclinação média de 0,44 mm e máxima de 0,53 mm.


Experiências da máquina aperfeiçoada do Larmanjat na Floresta de Epping, em Dezembro de 1870
(in Diário Illustrado, 23/03/1873)


A locomotiva conseguiu subir e descer as rampas que incluíam curvas de pequeno raio chegando mesmo a dar voltas em algumas com o raio de 10 metros. As experiências foram repetidas várias vezes, algumas com as carruagens vazias e outras cheias, em várias velocidades, sempre com bons resultados tendo o comboio conseguido permanecer estável e sem grandes oscilações. O comboio demorou exactamente 60 segundos a percorrer o trajecto, o qual equivalia a uma velocidade de 31,25 km/h. Mas no dia seguinte, as experiências não foram tão satisfatórias como na véspera devido à forte precipitação que deteriorou as condições da estrada e também à falta de areia para a locomotiva. Nestas experiências assistiram vários directores da Lisbon Steam Tramways Company e o engenheiro Frederick Harvey Trevithick da companhia que foi responsável pelos vários melhoramentos no sistema, além da autoria, quer do projecto da via, quer das torres de água e locomotivas. As carruagens utilizadas na experiência foram fabricadas pela firma Brown and Marshalls, sedeada em Birmingham. As experiências terminaram pouco depois das 16 horas do segundo dia.


Experiências do comboio monocarril Larmanjat efectuadas em Dezembro de 1870 na Floresta de Epping
(in Diário Illustrado, 23/03/1873)


Linha de Sintra

Enquanto se procuravam melhorar as condições técnicas do sistema, o Duque de Saldanha foi pedindo mais e mais concessões de linhas, tendo conseguido, em 11 de Julho de 1871, obter a licença para o percurso entre Lisboa e Sintra. Esta linha, destinada ao transporte de passageiros e mercadorias, devia passar pela Ponte de Carenque, Mafra e Colares.

Ponte Filipina de Carenque de Baixo (Queluz) na antiga Estrada Real de Sintra por onde circulou o comboio monocarril Larmanjat (Paulo Jorge de Oliveira Martins, IPPAR)


A citada via seria assente fora do eixo das estradas, ao lado ou nas bermas, a fim de não perturbar o tráfego. As malas do correio seriam transportadas gratuitamente e as carruagens deveriam ser do melhor modelo existente, bem resguardadas e suspensas por molas. Esta ligação tinha um considerável significado, pois facilitava o acesso dos lisboetas e dos visitantes estrangeiros à vila de Sintra. A abertura à circulação do comboio Larmanjat foi autorizada pela portaria de 28 de Julho de 1873 e a inauguração deu-se no dia 2 de Julho de 1873.


Arco do aqueduto da Ponte Pedrinha em Queluz, antiga Estrada Real de Sintra, em 1907, local onde eram içadas as bandeiras de sinalização do caminho-de-ferro monocarril do sistema Larmanjat da linha Lisboa/Sintra
(in Blog Histórias com História- Caminho-de-ferro monocarril Larmanjat em Portugal)

Estrada do Ramalhão em Sintra no início do séc. XX, local por onde circulou o caminho-de-ferro monocarril do sistema Larmanjat para Sintra (Eduardo Portugal)


A composição inaugural era composta pela locomotiva Lumiar, 4 carruagens de primeira classe e outras de terceira classe. O comboio saiu por volta das 9 horas da estação das Portas do Rego e demorou 1 hora e 55 minutos a percorrer a linha com 3 paragens, duas delas para abastecimento de água, lembrando que a locomotiva funcionava a vapor de água.


Inauguração da Linha Lisboa/Sintra do comboio monocarril Larmanjat no dia 2 de Julho de 1873
(Provável gravura da autoria de Rafael Bordalo Pinheiro - in The Illustrated London News)


O comboio regressou às Portas do Rego cerca das 16 horas e 15 minutos, tendo a viagem decorrido sem que ocorresse qualquer acidente. Entre os convidados encontrava-se o Director Geral das Obras Públicas, além dos construtores ingleses William Major e Trevithick, e ainda, os engenheiros portugueses Vítor Lecocq, D. António de Almeida, Libânio do Vale e Mendes Guerreiro. A abertura ao público foi feita 3 dias depois. A Linha de Sintra perfazia 26Km de extensão tinha as seguintes estações: Sete Rios, Benfica, Porcalhota (Amadora), Ponte de Carenque, Queluz, Cacém, Rio de Mouro, Ranholas e Sintra. A linha entrou ao serviço no dia 5 de Julho, originalmente com 3 comboios em cada sentido e levava cerca de 2 horas a percorrer totalmente o percurso até Sintra. Após a inauguração, continuaram a ser utilizadas as carruagens de primeira e terceira classes, não existindo a segunda classe, prevendo-se que posteriormente chegaria o material circulante necessário. Os bilhetes para a primeira e terceira classes custavam, respectivamente, 550 e 400 réis em viagem única, 900 e 700 réis em ida e volta, válidos desde Sábado até Segunda-feira. Posteriormente, os preços de viagem única foram reduzidos para 400 réis na primeira classe e 300 réis na terceira classe, iniciativa que visava atrair mais clientes. Esta linha foi construída, tal como a de Torres Vedras, pelo empreiteiro Edwin Clark, Punchard and Company.


Primeiro horário da Linha de Sintra do comboio monocarril Larmanjat com início no dia 5 de Julho de 1873
(in Diário Illustrado, 06/06/1873)


Linha de Torres Vedras

A construção do caminho-de-ferro até Torres Vedras decorreu ao mesmo tempo que a implementação da Linha de Sintra, estando quase concluída quando se deu a inauguração daquela linha. O troço para Torres Vedras foi inaugurado no dia 4 de Setembro de 1873. O comboio inaugural, formado por 4 carruagens de primeira classe que transportava os convidados, partiu das Portas do Rego às 6 horas e 25 minutos e chegou a Torres Vedras por volta das 10 horas e 45 minutos, tendo por isso demorado cerca de 4 horas e 20 minutos para percorrer os 54 Km da linha. A abertura do serviço ferroviário ao público deu-se no dia 6 de Setembro e tal como na Linha de Sintra, faziam-se inicialmente 3 comboios em cada sentido que demoravam cerca de 5 horas a percorrer o trajecto de Lisboa até Torres Vedras e abarcava as seguintes estações: Campo Pequeno, Campo Grande, Lumiar, Nova Sintra, Santo Adrião, Loures, Pinheiro de Loures, Lousa, Venda do Pinheiro, Malveira, Vila Franca do Rosário, Barras, Freixofeira, Turcifal, Carvalhal e Torres Vedras. Como se depreende pelas localidades citadas, a linha tinha um percurso em tudo semelhante á Estrada Nacional 8 (E.N. 8).


Primeiro horário da Linha de Torres Vedras do sistema monocarril Larmanjat com início em 6 de Setembro de 1873
(in Diário Illustrado, 04/09/1873)


Inicialmente a viagem que durava cerca de 5 horas entre Lisboa e Torres Vedras tinha um custo de 900 reis em 1ª classe e 700 reis em 3ª classe, sendo as únicas classes existentes nesta linha. Posteriormente, e tal como aconteceu na Linha de Sintra com o intuito de atrair passageiros, os preços foram reduzidos, passando a 700 réis em primeira classe e para 500 réis na terceira classe. Também foi instituída a gratuitidade para as crianças até aos 3 anos e uma redução para metade do preço da passagem para as crianças de 3 a 7 anos. Cada passageiro poderia transportar gratuitamente até 15 Kg de bagagem, porém as bagagens de peso superior eram já consideradas mercadoria. O principal tráfego nesta linha era o transporte de mercadorias, especialmente vinho destinado à cidade de Lisboa, pelo que o seu posterior encerramento teve um impacto bastante negativo a nível comercial.

Projecto para Cascais abandonado

A 17 de Julho e 29 de Agosto de 1871, o Duque de Saldanha foi autorizado a estabelecer um caminho-de-ferro Larmanjat no percurso compreendido entre Cascais a Belém, licença que foi prolongada até Alcântara por um decreto datado de 18 de Outubro de 1871. No entanto, as obras não se iniciaram na data marcada e o projecto começou a sofrer a pressão de interesses contrários pelo que a concessão acabou por caducar.

Declínio e encerramento

O sistema Larmanjat revelou-se muito instável desde o princípio com sucessivos descarrilamentos, avarias e frequentes movimentos abruptos do material circulante que provocavam a queda de passageiros e bagagens. A circulação dos comboios Larmanjat provocava igualmente, inúmeros atropelamentos de pessoas e de gado. Devido à configuração do traçado, as locomotivas tornavam-se incapazes de vencer as rampas em dias de maior precipitação, pelo que os passageiros, ocasionalmente, eram forçados a empurrarem o comboio, ao mesmo tempo que o pessoal ferroviário se esforçava por derramar areia sobre as passadeiras de forma a aumentar o atrito. Por vezes, os passageiros já levavam para a viagem sacos com areia para uma qualquer emergência. Também durante a época seca, o comboio provocava o levantamento de muita poeira que incomodava fortemente os passageiros. Provocado pelo constantes descarrilamentos, a velocidade dos comboios foi diminuída tornando a sua circulação muito lenta e assim, as composições atrasavam-se frequentemente tendo-se registado demoras superiores a 10 horas, enquanto no trajecto da Linha de Sintra, o comboio por inúmeras vezes demorava 7 horas a completar o percurso e deste modo, os comboios que originalmente eram apodados de “lá vem já” começaram a ser conhecidos como “não vêm já”.


Aviso da suspensão dos comboios Larmanjat
(in Diario Illustrado, n.º 886 de 8 de Abril de 1875-Arquivo BNP)


Por outro lado, o comboio Larmanjat criou alguns ressentimentos, tendo atraído a antipatia dos cidadãos mais tradicionalistas e que tiveram origem pelos efeitos nefastos que teve nos transportes a tracção animal. Assim, os mais progressistas preferiam que tivesse sido instalado o caminho-de-ferro pesado, tal como o sistema que foi instalado pela Companhia Real dos Caminhos-de-Ferro Portugueses nas suas Linhas do Norte e Leste. Também não conseguiu atrair os cidadãos mais abastados, os quais tinham os seus próprios meios de transporte. Desta forma, o comboio Larmanjat começou a perder clientes que voltaram a utilizar as diligências, apesar deste modo de transporte ser mais lento. Não obstante os variados esforços para cativar os passageiros, como a introdução de mais horários e a redução dos preços dos bilhetes, o declínio continuou. Para tentar perceber as causas deste problema, foi realizado um comboio especial em Fevereiro de 1874 desde as Portas do Rego até à vila de Sintra transportando o próprio Jean Larmanjat, além do Chefe da Exploração da Companhia Francisco E. Fenn, o engenheiro D. António de Almeida e ainda, o engenheiro Mondesir que tinha sido enviado pelo governo francês. No entanto, esta experiência não teve êxito, tendo continuado o êxodo dos passageiros e forçando a companhia a reduzir novamente os seus preços e a introduzir novos horários, mas que afinal de contam também não foram cumpridos. Também se realizavam comboios especiais, tal como sucedeu em Outubro de 1874, às Quintas-Feiras e Domingos, entre as Portas do Rego e o Campo Grande com o intuito de aceder à Grande Feira do Campo Grande e, no mesmo mês, também foram proporcionados bilhetes especiais de ida e volta, a preços reduzidos, e destinados à Feira das Mercês. Mas a situação da empresa continuou a piorar e, em 30 de Março de 1875, anunciou um novo horário com início no dia 1 de Abril, o qual tinha três circulações diárias em cada sentido nas Linhas de Sintra e de Torres Vedras. Porém, passado breve tempo, o jornal Diário Illustrado anunciava para o dia 8 de Abril, a suspensão provisória dos serviços em ambas as linhas, quer de passageiros, como igualmente de mercadorias, apesar de alguns serviços deste caminho-de-ferro terem sido retomados, mas sem grande sucesso. A falência estava eminente e, poucos dias depois, no dia 16 de Abril no Jornal do Comércio, podia ler-se:

"MORREU O LARMANJAT": a empresa da linha férrea do systema designado denominado Larmanjat foi entre nós uma tentativa malograda. Mais de mil contos de reis estão hoje completamente aniquilados nos trabalhos e no material dessa linha, irrevogavelmente condenados pelas incontestáveis demonstrações da experiência. Lamentamos a perda de um capital considerável; e pesa-nos que se frustrassem os esforços empregados em benefício da viação entre Lisboa e Sintra."

A propósito desse fim anunciado, o poeta Luís de Araújo publicou no jornal Diário de Noticias:

"Necrológio do Larmanjat
pobre, pobre Larmanjat
não descarrilas já!
de ti hoje resta apenas
umas barracas pequenas
uns poços de d’agua salobra
tabuas que arrancam rapazes
mil raills aos ‘zigue-zagues’
similhando enorme cobra!
há uma circunvalação
um enorme barracão
que se chamava estação
machinas e vagons velhos
pregos idem de sobejo
enorme material
augura um triste final."


No entanto, pouco depois seria anunciada a suspensão dos serviços de passageiros e mercadorias para o dia 8 de Abril, em ambas as linhas. Foram posteriormente retomados, mas sem sucesso, tendo a companhia falido em 1877. Na totalidade, o sistema Larmanjat custou mais de um milhão de réis, quantia considerava extremamente elevada para a época. Mesmo depois da falência da companhia, a questão continuou a arrastar-se pelos tribunais de Londres e até teve efeitos nefastos nas esferas diplomáticas.

Legado do Larmanjat

A rede do Larmanjat é considerada como uma precursora das Linhas de Sintra e do Oeste construídas pela Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses. O troço até Sintra entrou ao serviço em 2 de Abril de 1887 e a ligação a Torres Vedras abriu em 21 de Maio desse ano. Entre Janeiro e Abril de 2013 realizou-se uma exposição documental no Arquivo Histórico de Sintra sobre a história da Linha de Sintra, incluindo o comboio Larmanjat. Uma exposição semelhante, que também englobou o Larmanjat, teve lugar na sede dos Bombeiros Voluntários de Queluz entre Novembro e Dezembro do mesmo ano.

O comboio Larmanjat

A entidade responsável pela introdução do sistema Larmanjat em Portugal foi a The Lisbon Steam Tramways Company, vulgarmente conhecida como Companhia de Tramways a Vapor, a qual era representada em Lisboa por Eduardo Pinto Basto & C.ª. A empresa estava sedeada em Londres e os escritórios em Portugal estavam instalados no Largo de São Sebastião da Pedreira e faziam serviços regulares de passageiros e mercadorias.


Linhas ferroviárias do comboio Larmanjat da empresa The Lisbon Steam Tramways Company
(Foto de Branche, Illustration Journal Universal, 22 de Agosto de 1868)


Características do comboio Larmanjat

O sistema de via utilizado pelos comboios Larmanjat era composto por um carril central ladeado por duas passadeiras de madeira. O carril, do tipo Vignole, pesava 18 Kg por metro linear e as duas longarinas de madeira tinham 20 cm de largura colocadas a 52 cm do carril central a uma distância de 1,8 m entre elas. Nas curvas mais apertadas, a distância do carril central às longarinas era alterado, aproximando-se este da longarina do lado de fora da curva. O carril e as longarinas encontravam-se assentes em travessas de madeira, às quais estavam ligadas por cavilhas de ferro.


Locomotiva n.º 1 do sistema ferroviário Larmanjat em Portugal baptizada de Lisboa, fabricada em 1872 por Sharp, Stewart and Company (in The Engineer de 18 de Abril de 1872)


A bitola era tecnicamente de 1,27 m, embora na prática este valor oscilasse devido ao facto das rodas laterais não terem rebordos como nos sistemas mais comuns de caminhos-de-ferro. Todo o conjunto da via encontrava-se implantado ao nível da estrada, ou seja, tanto o topo das longarinas como do carril ficavam ao nível da estrada onde estavam inseridas ficando o resto do conjunto enterrado.


Desenhos técnicos das torres de água e de vários aspectos da via-férrea do sistema Larmanjat utilizado em Portugal, sob projecto do engenheiro Frederick Harvey Trevithick (in The Engineer de 18 de Abril de 1873)


Este sistema, considerado como um caminho-de-ferro ligeiro tinha uma construção pouco dispendiosa e não causava grandes incómodos ao tráfego rodoviário nas estradas em que circulava, especialmente devido ao facto da via estar ao nível da estrada, facto que dispensava o uso de barreiras e de passagens de nível. Além disso, permitia a instalação de curvas muito apertadas que o material circulante vencia sem dificuldades. No entanto, era altamente susceptível às condições climatéricas, uma vez que a chuva fazia inchar as travessas de madeira, deformando a via e descarrilando o comboio. As vias foram instaladas quase totalmente no leito das estradas, com apenas alguns segmentos a circular em traçado próprio quando as estradas ultrapassam o limite de 1 em 20 no declive, ou quando se pretendia que a via fizesse um atalho entre secções da estrada. O comprimento destes desvios variava em média desde um quarto de milha até cerca de 2 milhas, embora um deles alcançasse cerca de 3 milhas. Estes desvios eram construídos utilizando escavações e aterros, tal como nas vias férreas comuns. As vias foram instaladas de forma a terem um gradiente inferior a 1 por 20, embora este limite era por várias vezes alcançado, mormente em longos troços. A curva mais acentuada em plena via tinha 12 metros e as restantes atingiam frequentemente raios de 18, 20, 23, 24 e 26 metros. Não foram construídas quaisquer vedações nos troços onde a via utilizava o leito das estradas, mas o Estado exigia que fosse vedada quando circulasse em leito próprio e assim, nestes casos foram instalados muros de pedra.


Material circulante

Locomotivas

O material motor era formado por 16 locomotivas a vapor e o material rebocado compunha-se de várias carruagens e vagões. As locomotivas foram fabricadas pela empresa britânica Sharp, Stewart and Company nas suas oficinas Atlas Works, em Manchester, segundo as especificações do engenheiro Trevithick da companhia. As locomotivas eram semelhantes às máquinas nos caminhos-de-ferro comuns daquela época, sendo a maior diferença a disposição das rodas. Cada locomotiva possuía 6 rodas: 4 no centro, em sentido longitudinal, que serviam de guias.


Linha de caminho-de-ferro monocarril do sistema Larmanjat entre Raincy a Montfermeil (França) em 1868
(Foto de Branche-Illustration Journal Universal de 22/08/1868)


As duas rodas laterais com 14 polegadas (35,56 cm) de largura transmitiam o peso da máquina às longarinas e desta forma produziam movimento por atrito, o qual se tornava necessário sobretudo nos planos inclinados. As rodas guias tinham rebordos para encaixar no carril e eram ligadas em grupos de duas por meio de caixilhos que possuíam um espigão central para permitir o andamento em curvas de pequeno raio. Para evitar grandes estremecimentos na caldeira eram utilizadas molas do tipo americano feitas de um rolo de borracha, enquanto as rodas guias recebiam a pressão por 6 molas semelhantes. Um sistema hidráulico permitia alterar a elevação da caldeira durante os declives de tal modo que esta conservasse sempre a posição horizontal para manter os tubos cobertos de água, cujo nível era indicado exteriormente. Quando completamente carregada com água e carvão, cada locomotiva pesava 13,5 toneladas. Devido à necessidade de reduzir o peso, as locomotivas tinham uma reduzida capacidade de água, pelo que existiam várias tomadas de água ao longo das linhas. Quando a locomotiva foi testada conseguiu rebocar 300 toneladas inglesas num plano horizontal. Os comboios que se encontravam ao serviço atingiam uma velocidade considerada como moderada, percorrendo 16 milhas em 2 horas e 15 minutos. A locomotiva n.º 1 da Companhia denominava-se de Lisboa e a n.º 2 foi baptizada de Cintra. Uma das outras locomotivas foi baptizada de Lumiar.

Carruagens e vagões

Cada carruagem tinha 4 rodas: 2 rodas laterais, com 10 cm de largura, além de mais outras duas rodas, chamadas rodas centrais, uma em cada ponta do veículo. As rodas laterais estavam equipadas com uma mola em espiral. Assim, as carruagens funcionavam com um sistema de equilíbrio semelhante ao de uma bicicleta, onde o peso era suportado inteiramente pelas rodas centrais a fim de diminuir o atrito e evitar que as rodas laterais não tocassem constantemente o solo. De forma a manter o equilíbrio e transmitir o peso para o carril central, os passageiros iam sentados costas com costas, num banco no centro da carruagem. Existiam carruagens distintas para as 3 classes. A carruagem de primeira classe tinha dois bancos centrais divididos por uma parede quase até ao tejadilho, postigo com vidraça e cortina em frente de cada lugar; a de terceira classe, por seu turno, não tinha qualquer divisão entre os bancos centrais, os postigos tinham cortina, mas não existia vidraça. A entrada dos passageiros fazia-se através de portinholas laterais. Cada comboio utilizava normalmente cerca de 6 carruagens.

Sistemas de atrelagem e travagem

Os comboios utilizavam um sistema de atrelagem próprio, adaptado às curvas apertadas. Cada veículo tinha uma vareta furada em ambas as pontas suspensa acima do carril central, a qual no momento da atrelagem era colocada junto à do outro veículo de tal forma que os furos alinhassem, sendo então inserida uma cavilha para ligar as duas varetas. Este sistema era muito semelhante ao chamado “tulipa”, que foi utilizado nos primórdios do transporte ferroviário nos Estados Unidos da América. As locomotivas tinham o seu sistema de travagem localizado nas rodas laterais enquanto o material rebocado era travado nas rodas centrais. Todo o equipamento estava ligado à locomotiva por correntes. Normalmente, apenas se utilizavam os travões na máquina e nas duas últimas carruagens, sendo o sistema considerado bastante eficiente e capaz de rapidamente parar o comboio. A velocidade máxima que os comboios podiam circular, como tinha sido estipulado pelo Governo, era de 20 milhas (32 km/h) quando circulavam pelas estradas; nalguns desvios, a velocidade rondava entre as 15 e as 20 milhas (24/32 km/h).

Trajectos e estações

O sistema Larmanjat em Portugal estava dividido em 3 linhas: O Caminho-de-Ferro Larmanjat do Lumiar ligava o Arco do Cego ao Lumiar. Esta linha foi utilizada apenas para as experiências iniciais do sistema, não tendo sido utilizada nos serviços regulares da empresa. O Caminho-de-Ferro Larmanjat de Sintra ligava as Portas do Rego, em São Sebastião da Pedreira, até à vila de Sintra, numa extensão total de 26 km, e tinha as estações e apeadeiros em Sete-Rios, Benfica, Porcalhota (Amadora), Ponte de Carenque, Queluz, Cacém, Rio de Mouro e Ranholas.

Comboio do caminho-de-ferro monocarril sistema Larmanjat rebocado pela locomotiva nº 7 Lumiar em 1873 na estação terminus das Portas do Rego, Lisboa (Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa)


Utilizava em grande parte a Estrada de Circunvalação de Lisboa e em quase toda a restante extensão o leito das Estradas Reais, só tendo pequenos desvios na Porcalhota, Cacém e Rio de Mouro. No seu percurso, atravessava a Ponte de Carenque. O Caminho-de-Ferro Larmanjat de Torres Vedras também utilizava o leito das Estradas Reais e tinha uma extensão total de 54 km. Iniciava-se, igualmente, nas Portas do Rego e terminava em Torres Vedras e tinha as seguintes estações e apeadeiros: Campo Pequeno, Campo Grande, Lumiar, Nova-Sintra, Santo Adrião, Loures, Pinheiro de Loures, Lousa, Venda do Pinheiro, Malveira, Vila Franca do Rosário, Barras, Freixofeira, Turcifal e Carvalhal. Portanto, tinha um traçado semelhante ao que foi posteriormente adoptado pela Estrada Nacional 8. O local de recolha do material circulante em Torres Vedras situava-se no Bairro Tertuliano, junto ao antigo Largo da Graça. A estação principal do sistema estava situada na Rua das Portas de Santo Antão, estando por isso fora da rede ferroviária. Desta forma, foi organizado um serviço de “char-à-bancs” destinado ao transporte de passageiros até ao terminal nas Portas do Rego.


Como funcionava?

O sistema de caminho-de-ferro era composto por um carril central e por duas passadeiras de madeira laterais. As passadeiras laterais de 20 cm de largura eram colocadas a 52 cm de distância do carril central sendo pregadas a travessas de madeira por cavilhas de ferro. O carril central pesava 18 Kg por cada metro linear. A largura da via tinha uns meros 1,27 m. As carruagens, a locomotiva e os vagões (para transporte de mercadorias) dispunham por isso de 4 rodas centrais e 2 laterais. Enquanto as centrais deslizavam sobre o rail, as laterais serviam apenas para equilibrar a composição. Com a finalidade de concentrar o maior peso sobre as rodas centrais das carruagens, os passageiros sentavam-se de “costas-com-costas” em bancos longitudinais.


Modelo de carruagem do caminho-de-ferro monocarril do sistema Larmanjat de 1873, vista exterior e interior em corte, na versão apresentada em 1867 na Exposição Universal de Paris (in The Engineer, 1873)

O comboio Larmanjat como foi reproduzido nos folhetos de lançamento da Lisbon Tramway Company, Limited (António Lopes Vieira, in "Os Transportes Públicos em Lisboa entre 1830 e 1910", página 100)


Fim à vista

O forte entusiasmo do Duque de Palmela transformou-se rapidamente em autêntica desilusão. Os descarrilamentos sucediam-se a toda a hora, as avarias sucessivas e os tombos frequentes dos passageiros fez com que muitos deles optassem pelo transporte em diligências, apesar destas serem muito mais morosas e demorando, em média, cerca de 6 horas. Ora, dada a configuração do traçado, os comboios tinham uma grande dificuldade em vencer as rampas com tempo de chuva e por esse motivo, obrigava que os próprios passageiros se apeassem e depois empurrarem o comboio. Mas quando o tempo quente chegava, o comboio levantava tanta poeira à sua passagem que sufocava os passageiros. Os atrasos começaram a ser uma realidade chegando a ultrapassar 10 horas e os passageiros que aguardavam pela sua chegada nas estações passaram a chamar-lhe "não vêm já" em vez do "lá vem já" como era conhecido anteriormente. Após inúmeros esforços para cativar passageiros, como mais horários e preços dos bilhetes mais acessíveis, o grande empreendimento do Duque de Saldanha deu o seu último suspiro a 8 de Abril de 1875. O serviço foi retomado mais tarde mas sem qualquer sucesso tendo a empresa falido em 1877. A facilidade com que o comboio Larmanjat descarrilava, acabou por levar ao encerramento deste curioso caminho-de-ferro, apenas oito anos depois da inauguração.


Excerto do jornal da época: 

"Então tu já foste até Cintra?
No caminho Larmanjat?
Ora que pergunta essa?
Pois então eu não fui já!
E a coisata vae depressa?
Vae mas se uma pedra pilha
Da prancha a roda rebola,
E a bela caranguejola,
Bumba! Zás! Desencarrilha!"



A viagem inaugural Lisboa/Torres Vedras

A viagem inaugural ocorreu no dia 4 de Setembro de 1873 e iniciou-se às 6 horas e 25 minutos num comboio formado por 4 carruagens de 1ª classe, o qual chegou a Torres Vedras às 10 horas e 45 minutos, “tendo efectuado uma longa paragem em Freixofeira, onde um dos mais abastados lavradores da região ofereceu uma lauta merenda a todos os passageiros”. (RODRIGUES, António Carvalho e Adão de CARVALHO, “Os primórdios dos Caminhos-de-Ferro em Portugal - 1º Caminho-de-Ferro em Torres Vedras”. “O Larmanjat”, Toitorres Notícias, Janeiro/Fevereiro de 1996).

O serviço regular de passageiros nesta linha teve lugar dois dias depois, a 6 de Setembro. A Linha de Torres Vedras tinha as seguintes estações: Lisboa (Portas do Rego), Campo Pequeno, Campo Grande, Lumiar, Nova-Sintra, Santo Adrião, Loures, Pinheiro de Loures, Lousa, Venda do Pinheiro, Malveira, Vila Franca do Rosário, Barras, Freixofeira, Turcifal e Torres Vedras, localizando-se a estação terminal desta vila no pátio por detrás da “Taberna Venceslau”.

A viagem de “Lisboa a Torres custava 9 tostões em primeira classe e 7 em terceira e havia somente um comboio em cada sentido” (CASTRO, António Pais de Sande e, ob. cit., p.96). A primeira viagem neste percurso demorou 4 horas e 20 minutos, reduzindo imenso a distância entre Lisboa e Torres Vedras, que em diligência rondava as 6/7 horas. O administrador do concelho de Torres Vedras presenciou, menos de 15 dias após a inauguração deste transporte, dois incidentes: o primeiro ocorreu no dia 16 de Setembro de 1873 quando dois machos que puxavam uma carroça com vinho, assustando-se com a passagem do Larmanjat, antes de Vila Franca do Rosário, arrastaram a carroça e o carroceiro por uma ribanceira. Os donos da carroça aguardaram pelo comboio na estação daquela localidade juntamente com muito povo, não deixando o comboio seguir, ameaçando de morte o maquinista e o fogueiro e lançando pedras contra as carruagens. Valeu-lhes a protecção do referido administrador, conseguindo acalmar os ânimos da multidão enfurecida, prometendo interceder perante a empresa para indemnizar o carroceiro pelos prejuízos.
Chegados a Torres Vedras, o maquinista só aceitou fazer a viagem de regresso a Lisboa, programada para o dia seguinte, se fosse acompanhado pelo administrador, o que este acedeu, “attendendo ao mau effeito que produsiria a falta de um comboio com que toda a gente contava”. Contudo, nessa viagem iniciada por volta das 6 da manhã do dia 17 de Setembro, um novo incidente marcaria a viagem quando, passando perto da Quinta do Calvel, o comboio descarrilou, caindo “todas as carruagens em um barranco”, ferindo ligeiramente três passageiros, entre os quais o próprio administrador do concelho, tendo-se temido que esse descarrilamento tivesse sido provocado, devido ao incidente do dia anterior, por sabotagem. O mesmo administrador desmentiu tal hipótese, atribuindo este acidente ao facto de o maquinista, pouco experiente, “para ganhar o tempo que tinha perdido com uma subida”, ter levado “o comboio a grande velocidade para uma grande descida aonde há uma curva. A machina, apezar da sua grande velocidade poude descer a curva, a por isso não descarrilou, outro tanto (...) não aconteceu às carruagens que, não podendo operar o mesmo movimento” se precipitaram no aterro.
Por essa razão só no dia seguinte se realizou a viagem de regresso a Lisboa, não se registando, como se temia, qualquer incidente à passagem por Villa Franca do Rosário. Correspondência expedida pelo administrador do concelho de Torres Vedras para o Governador Civil de Lisboa, Livros de registos e copiadores, Livro nº 2, sem data (19 de Setembro de 1873), in Arquivo Histórico de Torres Vedras, Caixa 12 (1868 a 1883).

Muitas vezes, quando o percurso era mais íngreme, os passageiros tinham de empurrar as carruagens para ajudar o "Larmanjat" a subir a ladeira (IVO, Carlos com José Brito Paulo, "Quando o Comboio chegou a Sintra", in História, nº 135, Dezembro de 1990, pp.68 a 75, p.71).
Essas situações, assim como os sucessivos descarrilamentos e avarias, provocaram o descrédito desse transporte, pelo que os passageiros preferiam continuar a viajar em diligência, que se revelava mais segura e mesmo mais rápida, situação descrita, de forma pitoresca, em notícia evocativa daquele transporte, transcrita por um jornal torriense do princípio do século XX: “(...) Quem, em Torres, se mettia na diligencia, puxada a tres muares bem lustrosas, guiadas pelo Zé das Meninas, tinha a certeza de que, volvidas cinco horas, se apeava mais ou menos derreado á porta do Neves do Rocio. “A gente sahia d’aquella caixa muito tropego, com um pé dormente e uma caimbra levada da bréca; mas constava, deliciosamente, a integridade do seu systema osteologico e esta venturosa coisa de se Ter chegado a tempo. “Quem se mettia no Larmanjat não gosava d’estas vantagens. Em primeiro logar tanto se podia chegar, ao Arco do Cego, quatro horas depois da sahida de Torres, como oito, como doze, como... não chegar, ao menos de Larmanjat.” “E isto porque uma rampa, uma curva, um modesto calhau o fazia descarrilar. Parte do trajecto, mesmo, era feito sobre a porção do leito da estrada que lhe era defezo. A machina, por alguns metros, riscava no macadam como se fosse um arado em terras de cultura. Depois estacava”. “As portas das carruagens abriam-se e sahiam poeirentos, cabisbaixos, rogando pragas, os corajosos passageiros que se tinham abalançado áquella aventura”. “O comboio já lançára desenfreadamente o convencionalismo dos tres apitos que, pelas quebradas da serra se repercutiam a pedir auxilio aos trabalhadores do campo. Mas emquanto elles não chegavam?” “O machinista, o fogueiro, o revisor poderiam lá nunca, elles sós, pôr aquelle monstro no seu logar! E então os passageiros, maldizendo a sua sorte e o duque de Saldanha, despiam as suas quinzenas, os seus fracks e um por outro a sua sobrecasaca (porque vinham tratar de eleições com o governador civil) e todos se arvoravam em troço de operarios, de assalariados d’essa Companhia que lhes tinha cobrado bilhete, que se esforçava por quebrar-lhes as costellas e tratavam de encarrilar, com a pressa possivel, aquella bugiganga”. “É justo dizer-se que um certo amor proprio, ou antes, uma pungente vergonha lhes insuflava alentos. Era o espectro escarninho, a insolente casquinada da diligencia obsoleta mas triumphante, demais a mais munida de guiseiras alacres e trocistas que os esforçava n’aquelle mister de retirar comboios manhosos da via publica”. “Ella, a diligencia, ia passar, guiada pelo Zé das Meninas, o mão-de-redea eximio, que se haveria de rir a bom rir depois de ter sahido do mesmo ponto, seis horas depois, de mais a mais bem jantado na Venda do Pinheiro...E depois de os vêr, a eles, os do Larmanjat, a trabalharem como servos de gleba, elle continuaria em seu caminho a dizer facecias aos passageiros da imperial e a lançar chuvas ás lavadeiras de Lousa”. (ARANTES, Hemiterio, “O Larmanjat”, transcrito do “Popular” em “A Vinha de Torres Vedras”, nº 667 de 1 de Novembro de 1906).

Também uma escritora coeva, Angelina Vidal, afirmava, acerca do comboio Larmanjat, que “era raro o dia em que não acontecia ficar gente ou gado atropelado. Os veículos saíam da linha, o povo queixava-se por essas aldeias fora e a empresa não lucrava vintém. O certo é que os carros das carreiras antigas, por um momento abandonados pelo público amador das novidades, voltaram a ser utilizados pelos passageiros que desejavam chegar inteirinhos ao seu destino”. Com tantas contrariedades a Companhia responsável pela exploração deste transporte acabou por abrir falência, terminando a sua curta vida em 1877. Em Torres Vedras foi logo em 1875 que cessou o serviço daquele meio de transporte, como se comprova pela seguinte passagem da acta camarária da sessão extraordinária de 24 de Maio de 1875: "N'esta sessão deliberou a Camara derigir uma representação ao Governo de Sua Majestade, pedindo-lhe promptas e urgentes providencias para que sejam reparados os estragos causados na estrada de Lisboa a esta vila, pelo caminho-de-ferro Larmanjat, mandando-se levantar os carris e longrinas (vigas sobre as quais se pregam as travessas dos carris) que nella assentam e que, visto haver cessado o serviço d'aquelle caminho, de nada servem agora se não para embaraçarem e difficultarem o transito, e para apressarem a completa ruina da mesma estrada” (Actas da Câmara Municipal de Torres Vedras, Livro nº 31,sessão extraordinária de 24 de Maio de 1875).

Mas, a verdadeira "revolução dos transportes" do século XIX em Torres Vedras deu-se apenas em 1886 com o caminho-de-ferro de duplo carril. João Carlos Gregório Domingos Vicente Francisco de Saldanha Oliveira e Daun, Duque de Saldanha, destacou-se como chefe militar durante a sua participação nas “Guerras Napoleónicas” e nas “Lutas Liberais”. O seu percurso político inclui os cargos de Ministro dos Negócios da Guerra, Ministérios dos Eclesiásticos e Justiça, da Fazenda, da Marinha e Ultramar, dos Estrangeiros e das Obras Públicas, Comércio e Indústria. Foi também Ministro do Reino e Presidente do Conselho no 2.º, 16.º, 17.º, 20.º, 21.º e 31.º Governos Constitucionais. Depois da “Revolta dos Marechais”, em 1837, o Duque de Saldanha foi obrigado a exilar-se. Reintegrado na vida política em 1838, foi embaixador em vários países. Foi-lhe atribuído o Grão-Mestrado da Maçonaria do Sul e a nomeação para membro do Conselho Conservador. Em 1846 foi proposto para Chefe do Estado-Maior-General.


Duque de Saldanha

Duque de Saldanha em uniforme militar, evidenciando as suas inúmeras condecorações
(Autor desconhecido. Encontra-se pendurado no antigo escritório do Dr. Miguel Bombarda, no Hospital Miguel Bombarda. O quadro tem marcas dos tiros que vitimaram o Dr. Miguel Bombarda a 3 de Outubro de 1910)


Capa do livro “O incrível comboio Larmanjat” de Jaime Fragoso de Almeida (Mediatexto)


Postal ilustrado de Boas Festas alusivo e em homenagem ao caminho-de- ferro monocarril sistema Larmanjat da autoria de José Rui (Edição da Câmara Municipal da Amadora)


Capa de partitura da obra musical para piano Galope Brilhante de M. Marti dedicada em 1870 a Larmanjat e ao marechal Duque de Saldanha (Biblioteca Nacional)








Fontes consultadas para a elaboração deste artigo:

- Câmara Municipal da Amadora;
- Câmara Municipal de Torres Vedras;
- Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa;
- “O incrível comboio LARMANJAT” - Jaime Fragoso de Almeida (MEDIATEXTO);
- Diário Illustrado;
- The Illustrated London News;
- Illustration Journal Universal; 
- The Engineer, de 18 de Abril de 1873;
- Collection ANTUIR;
- Museu Nacional Soares dos Reis (Porto);
- Biblioteca Nacional;
- IPPAR - Instituto Português do Património Arquitectónico;
- António Joaquim Santa Bárbara (pintor);
- Eduardo Portugal (fotógrafo);
- Blog “História com História”- Caminho-de-ferro monocarril Larmanjat em Portugal.



terça-feira, 30 de junho de 2020

Até sempre, querida Lúcia!...






"Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso..."



- Mário Quintana -




Fotografia de Alexandra Carvalho (2009)




"Partiu" ontem (29/06/2020) uma grande senhora... a querida Lúcia Ribeiro 😢
Que fez de Benfica a sua casa e, na antiga "Ulmeiro" na Av. do Uruguai, ensinou tantos de nós a amar os livros e as pequenas coisas belas da vida.

Sinceros sentimentos ao José Ribeiro e a toda a família.

Um abraço muito apertado de força.

Publicação do José Antunes Ribeiro na sua página de Facebook (29/06/2020)


sexta-feira, 1 de junho de 2018

O dia em que a Vila Ventura deixou de existir





(escrito a 29/05/18. Fotografias e texto de Alexandra Carvalho) 







Conheci a Dª. Emília em finais de 2009, quando formámos o Movimento de Cidadãos pela preservação da Vila Ana e da Vila Ventura, em Benfica, e encetámos contacto com os seus 3 últimos moradores. 

Mulher humilde e de coragem, com uma história de vida riquíssima (a qual tinha um orgulho imenso em relatar) e muito à frente do seu tempo, embrenhada numa teimosia exacerbada, que contrabalançava com a forma terna como olhava sem julgar e ajudava o Outro (inúmeros foram os sem-abrigo e os animais que ajudou). 

Em 2010 passámos os finais das tardes de Verão juntas, a falar da nossa luta pelas Vilas, enquanto aguardávamos por capturar para esterilização a colónia de mais de 20 gatos que existiam nas Vilas. 

Depois, estivemos 2 anos sem nos falar, fruto de um mal entendido e do mau-feitio de ambas. Mas foi, também, graças a uma gata (aquela que viria a ser a sua grande companheira dos últimos anos) que retomámos o contacto em 2014. 




Re-descobri então uma Dª. Emília a quem a idade e a maldita doença que faz misturar o Passado com o Presente já começavam a atraiçoar. 
Uma Dª. Emília com quem passei a conviver com o mesmo nó na garganta (e no coração) que me acompanharam na doença que também atacou o meu Avô nos seus últimos anos de vida. 
Uma Dª. Emília que, certo dia, me conseguiu levar completamente às lágrimas, quando lhe li o enorme elogio que um desconhecido lhe dedicou no "Diário de Notícias", depois de se ter cruzado com ela, por mero acaso, na Estrada de Benfica. 

Apesar das insistências da família, a Dª. Emília nunca quis sair daquela que foi a sua casa (o seu mundo) durante mais de 50 anos. 
Viu os seus 2 últimos vizinhos partirem. E acabou por ter como companhia, na casa ao lado, um ex-locutor de rádio, a quem a vida pregou algumas partidas, levando-o à miséria. Até ao dia 22 de Abril deste ano, em que o senhor faleceu. 

E, nessa altura, a Dª. Emília, ficou mais uma vez sozinha, apenas com a sua gata e os pombos. 
A memória a atraiçoá-la em divagações, o medo dos barulhos da casa e do fim da vida que poderia chegar a qualquer momento. 
E foi nesse preciso momento que julgo que a Dª. Emília, finalmente, aceitou que não tinha mais forças para ali continuar (e deveria ir viver com o filho). 
Foi nessa altura também que, com a ajuda de algumas vizinhas, nos conseguimos ir revezando, para passar por casa da Dª. Emília, a várias horas do dia, para que não se sentisse tão sozinha (cumpre aqui fazer um agradecimento muito sentido à Teresa Lourenço, por, apenas tendo conhecido a Dª. Emília neste momento, ter sido de uma dedicação e carinho extremos para com ela!). 

Tenho para mim que há pessoas cujas vidas se entrecruzam com as casas em que viveram (como se passassem a ser um só ser)... E a Dª. Emília e a Vila Ventura são disso um exemplo claro. Esta grande senhora e mãe-coragem foi a verdadeira guardiã das Vilas (pelas quais agora temo ainda mais pelo seu futuro)!... 

Na véspera da saída da Dª. Emília da casa onde viveu mais de 50 anos, despedimo-nos 2 vezes, sem nunca dizermos "Adeus"... 
Passámos o final de tarde juntas, mais uma vez, entre os animais... 
E a noite em façanhas rocambolescas por causa dumas chaves... 
Curiosamente, como se a própria Vila e os animais não quisessem deixar a Dª. Emília partir. 

Esta manhã, no dia em que a Vila Ventura para mim deixou de existir, num misto de emoções, despedimo-nos ainda uma terceira vez, com um "Até logo", com a carrinha das mudanças já à porta. 


**** 




 -[Adenda de 01/06/18]-
O que havia prometido à Dª. Emília, aquando da sua saída da Vila Ventura, foi hoje cumprido: - a sua gatinha foi recolhida, para ficar protegida...







sábado, 2 de dezembro de 2017

Um elogio muito bonito (e justo) à D. Emília...




(fotografia e texto de Alexandra Carvalho)




Conheço a D. Emília há uns bons 8 anos, desde que iniciámos, em Benfica, um Movimento de Cidadãos, que lutou pela preservação do património histórico onde ela habita há mais de 50 anos: a Vila Ana e a Vila Ventura...

Mulher generosa e destemida, com uma força e carácter impressionantes, e uma mentalidade muito à frente da sua época, que a fez educar o seu filho quase sozinha... E sozinha tem continuado a lutar por tudo o mais, no resto na sua vida.

Com a D. Emília vivi, também, muitas histórias com animais, quando juntas, nos finais de tarde dum Verão longínquo, iniciámos a captura dos inúmeros gatos das Vilas (para serem esterilizados)... ou quando ela me pediu ajuda para duas cadelas sarnentas que lhe apareceram um Natal no jardim (e foram recolhidas por um amigo veterinário)... ou quando duas amigas me pediram ajuda para a última ninhada duma gata que por ali aparecera (a última gata das Vilas, que faz, actualmente, companhia à sua última inquilina)...

Nos últimos anos, derivado do apoio familiar que tive que prestar aos meus Avós, fomos afastando-nos um pouco, mas mantendo sempre o contacto telefónico de quando em vez.
Quando me apercebi que uma das doenças da idade começava a atacar a D. Emília, doeu-me cada vez mais ver reflectido no seu olhar tudo aquilo que também vivi com o meu Avô... e, para me proteger dessa dor, comecei a tentar evitá-la.

Até ao dia de hoje...
Em que regressei à Vila Ventura, com uma notícia bonita para lhe dar e um exemplar do "Diário de Notícias" para lhe oferecer.

Sentadas na sua sala, com o sol matinal de Dezembro a aquecer-lhe o rosto, li-lhe de fio a pavio as duas páginas que o jornalista lhe dedicou (em que ela quase não queria acreditar, se não tivesse visto a sua fotografia)... E chorámos, comovidas, pelo lindíssimo e muito merecido elogio público que alguém assim dedicou a esta grande Senhora (esquecida por detrás da janela duma Vila histórica, também ela caída no esquecimento).

Muito, muitíssimo obrigada a quem deu esta prenda à D. Emília!


"A mulher que via partir os vizinhos"





Por Ferreira Fernandes,
in "Diário de Notícias" de 02/12/2017




[clicar na imagem para ampliar e ler o artigo]