segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Gente de Benfica - III



Todos os direitos reservados © Alexandra Carvalho e Jorge Resende,
"Retalhos de Bem-Fica" (2009)


Fotografia da autoria de Luís Resende (2009)


Jorge Resende, 62 anos, nascido na véspera de Natal, no 1º andar do Nº 13 do Largo Ernesto da Silva, passou grande parte da sua infância e juventude na freguesia de Benfica.

O seu avô materno era vigilante da Escola Normal de Lisboa (hoje Escola Superior de Educação de Lisboa), tendo à falta dum ordenado, a permissão de instalar nos terrenos anexos as habitações para a sua numerosa família e os seus gados. Manuel, seu avô, alcunhado de "Pastor" era muito respeitado em Benfica desses tempos; vivia da exploração leiteira e vendia leite e queijos de porta a porta, como era costume à época.

Jorge Resende foi filho de operários: o seu pai laborou na Fábrica Grandella (Empresa de Fiação e Tecidos de Benfica) e a sua mãe na Fábrica Simões, à porta da qual Jorge se lembra de a ir esperar. Da Fábrica Simões & Companhia Limitada Jorge Resende relembra, com uma réstia de saudade infantil embargada nas suas palavras, a importância de que se revestiam as festas de Natal promovidas pela mesma. Onde o "Patrão Gabriel" e o "Patrão Simões", como benesse da consoada, ofereciam, com toda a pompa e circunstância (nas quais se incluía o direito a uma visita ao alfaiate), roupas novas aos operários e às suas famílias.

Só muitos anos mais tarde, Jorge Resende teve consciência da exploração laboral praticada pela Fábrica Simões, onde, apesar disso, de uma forma dir-se-ia quase paternalista, os patrões "estimulavam a aprendizagem no refeitório da Fábrica, para os operários obterem o diploma da quarta classe (...) Havia equipas desportivas (...) e cerca de 1954, nos terrenos do refeitório, nasceu uma creche para os filhos dos operários (...)". Mas, para quem, em criança, apenas teve como brinquedo um cavalo de cartão, que pertenceu à Família Lobo Antunes (oferecido, assim, em segunda mão por uma das suas criadas), as festas de Natal promovidas pela Fábrica Simões, eram, de facto, uma benesse dos céus.

Por entre as lembranças dos importantes marcos do comércio local (como a mercearia "Vale do Rio", a "Adega dos Ossos", o "Paraíso de Benfica" e a Foto "Nice"), das idas a pé até à Feira da Luz em Carnide e à praia em Algés, das "casas muito bonitas" que os seus olhos fotografavam e de alguns dos personagens da Benfica desses tempos; o discurso de Jorge Resende é entre cortado pelos momentos de índole mais pessoal, como o da emigração dos seus tios (com quem viveu grande parte da sua infância, primeiro em Benfica e, mais tarde, na Venda Nova) para o Canadá, no final dos anos 50, ou o do seu insucesso escolar e ingresso no mundo do trabalho ainda adolescente com treze anos e meio.

Em 1958, Jorge Resende regressa a Benfica com a sua família, para habitar uma casa no novo Bairro de Santa Cruz, gerido pela Caixa de Previdência. É, precisamente, neste bairro de "casas económicas" que Jorge Resende mais sentiu a cisão social que existia na freguesia, ou seja, "(...) entre as duas partes do Bairro, ou seja, os moradores do Bairro da parte de trás da Mata estavam ligeiramente deslocados de Benfica, como se de um gueto se tratasse. E havia um pormenor interessante na arrumação social até dentro de cada rua. (...) dum lado construíram uma banda de casas (...) que ou por acaso ou fatalidade, eram habitadas geralmente por agregados mais modestos. Do outro lado da rua, construíram vivendas com bastantes divisões, geminadas, em que os moradores geralmente eram de profissões ou liberais ou quadros de empresas, funcionários do Estado, “gente bem”, e que dava a impressão que estavam ali para, com os seus exemplos de vida, também servirem para “educar” os pobres que lhes calharam em frente das suas portas."

Em criança, Jorge Resende desejava ser professor primário, pois via naquela profissão "(...) uma forma de mudar de lugar constantemente, qual caixeiro viajante ou saltimbanco que andava de terra em terra (...)"... Acabou por trabalhar, mais de 30 anos, como Controlador Planeador de Escalas de Tripulantes de Voo na TAP, onde os seus sonhos continuaram a voar.

A sua história de vida é o fiel retrato de uma época, vivida pelas classes mais baixas, do operariado, na freguesia de Benfica. É, sobretudo, a história de um homem cujas agruras de uma vida difícil lhe incutiram, desde muito cedo, um forte sentido crítico perante as diferenciações sociais existentes e contra elas, mais tarde, tentou activamente lutar.

Apesar das agruras provocadas por uma vida modesta, Jorge Resende recorda com carinho uma "vila" de Benfica agradável, "(..) uma lista enorme de gente simples, humilde, entrosados com outros de posições económico-sociais diferentes, mas que conviviam, como se Benfica fosse um pátio em que todos se conheciam." Uma Benfica que "(...) começou a desaparecer no início dos anos sessenta, com a construção desenfreada de novos prédios (...)", mas que ele próprio gostaria de ver transposta para "(...) uma exposição de fotografias que “falem” de tempos passados, e que muitas e muitas obras nasçam que possam marcar o futuro daquela freguesia."

Actualmente, reformado, Jorge Resende, juntamente com aquela que, há muitos anos atrás, lhe vendeu uma entrada vitalícia para a Festa do Avante, contempla agora a sua neta de 1 ano crescer na ilha da Madeira. Onde o gosto pela leitura o continua a comandar para que se dedique, ainda, a redigir as memórias da sua família para as gerações vindouras.


Pode ler esta história de vida na íntegra aqui (a qual faz parte de um projecto mais abrangente que desenvolvemos numa rubrica intitulada "Gente de Benfica").



domingo, 30 de agosto de 2009

"Lisboa Desaparecida"





Fotografia disponível in "Lisboa Desaparecida"




No 3º volume da sua obra "Lisboa Desaparecida", Marina Tavares Dias discorria, entre outros, sobre os arredores de Lisboa... Telheiras, Carnide, Palhavã e Benfica que, nesses outros tempos, ficavam fora de portas da cidade.

Nessa magnífica obra, Marina Tavares Dias ensinou-nos a olhar o Passado, os testemunhos e memórias de um tempo que, à semelhança das grandes capitais europeias, deveríamos, há muito, ter aprendido a saber preservar e partilhar com as gerações vindouras.

"Não se assimila que a cidade é uma mais-valia que todos temos", como dizia a autora, numa entrevista.

Em 1985, eram publicados os primeiros textos da "Lisboa Desaparecida" de Marina Tavares Dias no vespertino "Diário Popular".
Antecedendo as comemorações dos 25 anos sobre essa data, a autora faz prova de saber interligar o Passado e o Futuro, e a sua obra encontra-se também disponível para consulta no blog "Lisboa Desaparecida".

A Marina Tavares Dias o nosso "Muito Obrigada" pelo precioso legado que nos deixou!




sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Quinta Nova da Conceição




Imagem disponível in "Google Earth"



Escondida apenas a alguns minutos do eterno rebuliço da Estrada de Benfica, a Quinta Nova da Conceição fica localizada no Nº 5 da Rua Cidade de Rabat.






Este palacete do século XVIII é um dos raros exemplos das quintas de Verão lisboetas dessa época; tendo sobrevivido ao terramoto de 1755 e pertencido sempre à mesma família, a dos Condes do Bonfim.



Imagem disponível in TopRural



José Francisco de Melo Travassos Valdez, o 4º e último Conde do Bonfim (personagem sobejamente conhecido na Benfica de outros tempos, por servir de testemunha dos casamentos de todas as gentes humildes e sem posses da freguesia), era o avô da actual proprietária desta Quinta.



"Inauguração da Circular sob o viaduto do Calhariz de Benfica,
pelo Conde de Bonfim, a que assistiu o Presidente França Borges"
(1963),
Armando Serôdio
in Arquivo Municipal de Lisboa



Uma vez que a herança desta propriedade se transmitiu sempre na família por via feminina, actualmente, a Dª. Maria Teresa Travassos Saraiva Valdez, converteu este palacete de importante valor histórico na única casa de Turismo de Habitação existente em Lisboa.







Combinando o ambiente do século XVIII com as necessidades do século XXI esta casa de Turismo de Habitação possui apenas três quartos, cada um deles decorado ao estilo da antiga nobreza portuguesa.






De destacar também, entre outras divisões: a Sala de Estar, um magnífico salão com o seu piano de cauda (onde tocou Viana da Mota), a sua harpa e uma grande lareira; a Livraria, construída já no início do século XX pelo último Conde do Bonfim, é uma sala completamente forrada a madeira, onde se encontram exemplares raros e únicos.






No imenso jardim da Quinta Nova da Conceição, encontram-se duas árvores classificadas como "interesse público": uma "araucária" e uma "bela sombra"; tendo esta última sido, ao longo dos séculos, a casinha de brincadeiras de todas as gerações que por ali passaram.








domingo, 23 de agosto de 2009

Fronteiras em Benfica




Desde criança que me habituei a ouvir dizer que até ao Calhariz de Benfica estamos na freguesia de Benfica e, de lá em diante, passamos para a de São Domingos de Benfica.
Mas, para mim, a diferença entre ambas as freguesias nunca foi muito notória, nem tão pouco essa divisão no espaço.

Como conseguir, então, definir de uma forma tão exacta as fronteiras administrativas de duas freguesias através do seu espaço físico, quando não parecem existir fronteiras entre os seus habitantes?






Ao comemorar os seus 50 anos de existência, a Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica decidiu, recentemente, instaurar esta mesma divisão deixando-a bem traçada no terreno, com um marco simbólico à entrada (e saída) da sua freguesia, semelhante aos que vemos por esse Portugal a dentro, quando entramos em alguma povoação. Aproveitando, também, para promover o seu "turismo interno" (como se pode visualizar melhor na foto acima).

As fronteiras administrativas da freguesia de São Domingos de Benfica, tal como hoje as conhecemos, foram delimitadas em conformidade com o Decreto-Lei nº 42.142 de 7 de Fevereiro de 1959 (o qual remodelou administrativamente a Cidade de Lisboa, fixando o número de freguesias em 53), originando a sua divisão da freguesia de Benfica a que pertencera, devido ao crescimento do número dos seus habitantes.





Benfica, essa outra, já existia desde Julho de 1885, tendo, antes disso, pertencido ao concelho de Belém.









sábado, 22 de agosto de 2009

Biblioteca Museu República e Resistência








A Biblioteca Museu República e Resistência encontra-se, desde 1993, instalada no edifício da antiga Escola Primária do Bairro Grandela; dedicando-se, ao estudo e à investigação da História Contemporânea Portuguesa, em permanente articulação com as Universidades e as Associações Culturais.

Devido ao acréscimo do seu espólio, assim como à multiplicidade de iniciativas que dinamiza, tornou-se necessário ampliar o espaço disponível para esta Biblioteca, possuindo a mesma outro espaço no Bairro Social do Rêgo, junto à Av. das Forças Armadas (onde foram instaladas uma área destinada a exposições, três espaços para leitura, um anfiteatro com cerca de 80 lugares, um cyber-café, um restaurante, uma mini-loja e gabinetes para a administração e serviços).






Da última vez que estivéramos no Bairro Grandela, o espaço da Biblioteca Museu República e Resistência encontrava-se completamente enfaixado de lonas de obras.

Foi por isso com muito agrado que, esta manhã, nos apercebemos que as obras, finalmente, terminaram e que a Biblioteca já tem na porta o seu novo horário de Verão.

Numa freguesia tão populosa como a de Benfica, é, verdadeiramente, lamentável que algumas promessas não tenham sido cumpridas, que outras infraestruturas não tenham sido re-aproveitadas enquanto equipamentos culturais para a população e que os moradores continuem a ter que se deslocar à freguesia vizinha em busca de um pouco de cultura!...







sexta-feira, 21 de agosto de 2009

"Salva", a gatinha dourada





"The city of cats and the city of men
exist one inside the other,
but they are not the same city".

(Italo Calvino, in "As Cidades Invisíveis")




(por Alexandra Carvalho)



Naquele bairro, a Cidade dos Gatos misturava-se todas as manhãs, através do vidro, com a Cidade dos Homens.

Qual estátua de divindade egípcia, serena e imperturbável, por detrás da montra, fazia as delícias de todos os que por ali passavam naquelas manhãs agitadas... Roubando-lhes algum tempo aos seus afazeres diários e fazendo-os parar, ficando ali especados, durante largos minutos, embevecidos a admirarem-na. Relembrando-lhes, assim, que a vida tem muito mais do que se lhe diga do que uma simples e constante correria na busca permanente de algo...


Fotografia de Alexandra Carvalho (2009)


Aparecera naquela rua há cerca de oito meses atrás, completamente encharcado pela água da chuva e com um ar muito adoentado.
Por ali deambulara algumas horas e, provavelmente (devido ao frio que se fazia sentir), havia saído do tubo de escape de um dos carros dos vizinhos, onde, certamente, procurara abrigo. Viram-no passar perto da paragem do autocarro, junto à cafetaria. E não mais souberam o paradeiro de tal gato (à semelhança de tantos outros felinos que nascem, crescem e acabam por morrer nas ruas das cidades).

Fotografia de Alexandra Carvalho (2009)


No dia seguinte, quando Lúcia abriu a porta da sua loja, eis senão quando, vislumbrou um vulto dourado a passear-se por cima da bancada central repleta de livros. Sem que ninguém se apercebesse, e aproveitando-se da infinidade de livros aninhados pelo chão como camuflagem, o gatito escapulira-se por entre a porta aberta e ali pernoitara, bem ao quentinho.

Fotografia de Alexandra Carvalho (2009)



Lúcia apelidou-o de "Salvador". E ele, por ali, foi ficando...

Serenamente, calcorreando os estreitos corredores criados pelas bancadas; onde, também, se costuma esconder airosamente, para realizar investidas a inimigos imaginários, ou apenas para se escapulir às festas carinhosas e aos humanos que ainda temia. Espraiando-se delicadamente ao sol quente das manhãs em cima das molduras antigas e dos livros que compõem a montra daquela livraria-alfarrabista.



Fotografia de Alexandra Carvalho (2009)


Certo dia, Lúcia descobriu que, afinal de contas, "Salvador" era uma gatinha (estranho e raríssimo facto para um felino de pelagem completamente laranja)... e diminuindo-lhe o nome pelo qual já respondia, passou a tratá-la por "Salva".


Foto e concepção gráfica de Alexandra Carvalho para o "Bazar dos Ronrons" (2009)



Nessa altura, foi necessário pensar na esterilização da gatinha "Salva", devido ao primeiro cio que se aproximava e aos seus frequentes passeios pela rua.

Graças à generosidade de muitos vizinhos, e a uma iniciativa fora do comum, a "Salva" foi esterilizada a 22/01/09.

Fotografia de Alexandra Carvalho (2009)



Não se tratou de nenhum golpe de publicidade, nem tão pouco de uma imitação de Dewey, o famoso gato da Biblioteca americana...
Mas a verdade é que os transeuntes começaram, cada vez mais, a ser atraídos pela pacatez das sestas de "Salva" na montra daquele alfarrabista.

"Salva" tinha cerca de 7 meses, quando por ali apareceu. Muito franzina e ainda arisca, o mais curioso era o facto de, simultaneamente, ser a gata mais fotogénica que já conheci até hoje... não tendo sequer receio da aproximação da objectiva, apesar de, nessa altura, ainda não se deixar tocar.


Fotografias de Alexandra Carvalho (2009)



Para além de, muito rapidamente, se ter transformado no "Ai Jesus da Avenida" e vedeta da casa, fazendo as delícias dos clientes e amigos (tendo mesmo constituído um séquito de fãs que, diariamente, entram na loja apenas para a verem ou demandarem novas do seu estado), "Salva" encontrou também um apaixonado (que chegava mesmo a tentar entrar para procurar a sua amada).


Fotografia de Alexandra Carvalho (2009)



De início, "Salva" costumava andar muito fora e dentro, numa liberdade que espelhava bem a sua alma felina... mas regressando sempre à Casa-Mãe.

Naturalmente, com os seus protectores foi tecendo uma relação de maior proximidade: à Lúcia concedeu o privilégio da autorização para lhe serem feitas as primeiras festinhas, sendo à voz do Zé que mais responde com ternurentos miados e ronronadelas.

O tempo foi passando e "Salva" cresceu. Fruto de tanto carinho e mimo, tem vindo a tornar-se mais dócil, permitindo mesmo a alguns amigos fazerem-lhe festas.


Fotografia de Alexandra Carvalho (2009)



Naquele mundo forrado de utopias passadas - que se transformou no seu -, "Salva" movimenta-se como se sempre ali pertencera e dele fizesse parte há uma infinidade.

Na cave daquela loja, onde noutros tempos se lutava por Causas nobres, passou a reinar a gatinha "Salva", aninhando-se dentro de gavetas de móveis de séculos passados, brincando por entre os trajes guardados num imenso baú... escondendo-se entre as pilhas de livros e as molduras antigas.

Fotografia de Alexandra Carvalho (2009)


"Salva", a gatinha que apareceu na "Ulmeiro/Livrarte" quando esta loja está prestes a celebrar o seu 40º aniversário, parece sempre ali ter vivido... e sabido porque aí tinha de regressar.

Por ali apareceu como uma pequena estrela, dando alento e novo ânimo a todos. Comprovando que, quando o Homem quer, tudo é possível... E um pequeno gesto ainda pode ser sinónimo da solidariedade a nascer entre todos (mesmo num bairro onde a vida corre mais veloz e todos nos vamos transformando em perfeitos anónimos).


Fotografia de Alexandra Carvalho (2009)


A Cidade dos Homens, naquele bairro, ficou diferente desde a chegada de "Salva".

Ao alterar as formas, cruzando a imagem daquela pequena gata com a de todos os que paravam a observá-la, o vidro da montra daquela loja criara como que uma espécie de metamorfose entre a gata e o Homem... transformando a grande maioria dos indivíduos em seres mais afáveis, solidários e humanos.



...........................







Fotografia de Alexandra Carvalho (2009)


Se tiver curiosidade em visitar a "Ulmeiro/Livrarte" por causa da gatinha "Salva", aproveite também alguns dos seus minutos para ver com mais tranquilidade e atenção esta loja... e pode ser que aí descubra preciosidades que o encantem ou estórias importantes de outros tempos.
Vai ver que não se arrependerá!

A "Ulmeiro/Livrarte" é uma verdadeira caixinha de surpresas!...

De cada vez que lá entramos, descobrimos algo de novo, algo que se encontrava escondido e que as mãos da Lúcia colocaram em relevo, de uma forma muito bela, na montra ou numa estante.

Esta é uma daquelas pequenas pérolas escondidas do comércio local, onde nos voltamos a sentir como que impregnados daquele espírito infantil de tudo ali querer descobrir e ver, de tudo procurar como se se tratassem de pequenos tesouros e mistérios ancestrais.

Mas os maiores tesouros desta Casa, talvez, sejam mesmo a Lúcia e o Zé Ribeiro... que nos recebem sempre com um sorriso no rosto e tantas (mas mesmo tantas) estórias importantes da nossa História, para nos contarem.
O tempo por ali não parece passar, quando nos pomos na conversa e esta flúi livremente, numa amena troca de ideias (e de ideais).

Ali sentimo-nos como que em casa, tamanha é a sensação de serenidade que emana desta "família" (por afinidade)!...








quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Em busca de... - III





Em resposta ao desafio às memórias dos nossos leitores, que aqui deixámos, junto vos apresento a resposta que nos foi remetida pelo Sr. Jorge Resende, a propósito do palacete existente na Estrada de Benfica, Nº 529 (onde, actualmente, funciona a sede do Instituto Politécnico de Lisboa).





"Estrada de Benfica, 527-529" (1972), Silveira, Nuno Barros Roque da
in
Arquivo Municipal de Lisboa






"(...) Não sei se já a ajudaram sobre o palacete da foto, vou tentar ajudar.

Ao lado de uma escola secundária existente na Estrada de Benfica, no caminho sentido Av. Gomes Pereira e o Centro Comercial Fonte Nova, existe um casarão (palacete...) que, pelo que vejo na foto, foi restaurado e está magnífico.

Foi, no princípio do século XX, um estabelecimento de apoio aos alunos da Escola do Magistério Primário (situada no alto das traseiras do referido casarão), que vinham de fora de Lisboa para ali cursarem o curso de professor primário.

A minha avó materna, que habitou os terrenos da referida Escola do Magistério Primário, dado que o meu avô era vigilante do edifício, por razões económicas, lavava e tratava das roupas dos alunos que habitavam o palacete.

Chamavam-lhe a 'República', a exemplo das Repúblicas de Coimbra, que albergavam e albergam ainda universitários.
Não sei por quantos anos serviu de residência de estudantes, todavia, creio que, depois dos anos cinquenta, deixou de ter actividade.

Existe presentemente naquela que foi a Escola do Magistério Primário de Lisboa, a Escola Superior de Educação, com pessoas devotadíssimas à preservação da Biblioteca preciosa ali contida, nomeadamente um Professor aposentado que diariamente ali vai ou ia, e que talvez possa colaborar na informação sobre o tempo de uso do palacete, bem como em tudo que diga respeito à Escola do Magistério Primário, que ali existe desde o princípio do século XX."
***

*** Texto da autoria de Jorge Resende.





Actualização de 20/10/09


Recebemos hoje, da parte da nossa leitora Leonor Nunes, um simpático e-mail, onde a mesma nos fala das suas memórias do que foi o palacete situado na Estrada de Benfica Nº 529, entre os anos 70 e 80.


"Olá:

Só no domingo tive conhecimento deste tão interessante blog. Foi o M.Coelho que me falou dele.

Tenho estado a ler o histórico, e reparei que quer fazer a história dum edificio que agora é um Instituto Politécnico, se não estou em erro.

A lembrança que tenho é de no final dos anos 70, começo dos 80, funcionar ali um infantário. Os meus filhos andaram lá. Posteriormente houve um incêndio e ficou ao abandono, até ser recuperado.

Gostei também de ver referência ao jardim lindissimo que existe nas Pedralvas. É bom enaltecer as coisas bonitas.

Sem outro assunto, despeço-me

Leonor Nunes"




quarta-feira, 19 de agosto de 2009

"Foram muitos anos de vivência de Benfica. Tanta memória..."




Como dizia, há alguns meses atrás, um dos aspectos mais importantes no mundo dos blogs é, na verdade, o facto destes constituírem verdadeiros espaços de partilha... Espaços onde, em tempo quase real, podemos aprender bastante uns com os outros.

A esse nível, tem sido muito interessante a troca (e, sobretudo, a aprendizagem) permanente que tenho mantido com alguns dos nossos leitores, assim como as dúvidas mais quotidianas que me têm sido colocadas por e-mail por algumas pessoas que chegam a este blog quando partem em busca de alguma outra informação mais específica sobre a freguesia de Benfica (seja porque aqui estão a pensar comprar casa, seja porque se encontram a realizar um trabalho universitário ou outro).

Ontem recebi um e-mail que me tocou profundamente.
Um e-mail que fala de memórias de outros tempos, de uma Benfica que não cheguei a conhecer, mas com o qual penso que todos aqueles que viveram a sua infância nesta freguesia encontrarão muitos pontos em comum.

Com a devida autorização do autor deste e-mail (o Sr. Jorge Resende), e uma palavra amiga de sincero agradecimento pela sua partilha, aqui publico hoje o seu texto.
Segundo as suas próprias palavras, foi "escrito de jacto"; em nosso entender, foi redigido com a emoção que as memórias daquilo que vivemos sempre nos trazem, constituindo, por isso mesmo, um importante testemunho das muitas histórias de vida que por Benfica têm passado.

Logicamente que, muito em breve, iremos também aqui publicar uma entrevista mais alongada com o Sr. Jorge Resende, integrada no nosso sub-projecto "Gente de Benfica".



...........................



"Entrei neste blog sobre Benfica, porque gosto de procurar imagens relativas à Vila onde nasci. E fico com uma pena muito grande por ainda não se ter feito uma exposição de fotografias sobre Benfica do antigamente!


(...)

Chamo-me Jorge Benjamim Gomes Resende. Hoje habito na Madeira, estou reformado, mas nasci em 1946 no Largo Ernesto da Silva, no primeiro andar do pátio do número 13 ou 15, num quarto alugado pelos meus pais, tendo-me mudado para as águas furtadas do prédio número 11 ao lado.




Fotografia de Jorge Resende




Deixei Benfica em 1950, e durante 8 anos vivi na Venda Nova, na Rua do cinema, Rua Carlos Amaro de Matos, tendo voltado em 1958 a Benfica, para habitar uma moradia no recém inaugurado Bairro de Santa Cruz, de onde saí em 1979 e jamais voltar a viver em Benfica, hoje bastante descaracterizada, nada que se identifique com a Benfica dos seus tempos áureos. Quanta memória...

Dizia o Sr. Lamas que estava a escrever a sua memória, acredito que sobre Benfica ele tenha imensa memória.

O meu avô materno foi durante muitos anos vigilante da Escola do Magistério Primário, nada recebendo de ordenado pois lhe permitiram erguer naqueles terrenos casa de habitação e estábulos para gado, fonte de receita da sua família, filhas (minha mãe), minha avó, e mais tarde meu pai e crianças aí nascidas como o meu irmão mais velho.

Os meus pais e minha avó foram operários no Grandela e a minha mãe, sua mãe e irmãs foram operárias na Fábrica Simões na Gomes Pereira, frente à qual habitava um professor primário de nome André que foi professor de António Lobo Antunes, como ele descreveu nas suas crónicas, e foi também meu professor até à quarta classe, na escola da Venda Nova. Por tudo isto, foram muitos anos de vivência de Benfica. Tanta memória...

A Gomes Pereira e as suas vivendas, a Escola Normal, a sede do Benfica hoje Junta de Freguesia, onde vi o meu primeiro filme projectado ao ar livre, a Avenida Grão Vasco onde eu e os meus irmãos íamos apanhar folhas de amoreira para colocar em caixas de sapatos com bichos da seda e comer as amoras...
A
Igreja de Benfica onde fui baptizado, onde os meus pais se casaram mas da qual não fiquei cliente... O Parque Silva Porto, onde brinquei e para onde ia estudar, bem como para a Pastelaria em frente da Igreja, o "Paraíso de Benfica".....
E o campo do Futebol Benfica, onde hoje é a Pastelaria Nilo...

A
grande moradia dos avós dos Lobo Antunes, e a outra casa destes na Travessa da Era, ao lado da Travessa do Vintém, junto ao Largo Ernesto da Silva...

E o palacete junto à Travessa do Rio, que pertenceu a uma família de apelido Baena, ao lado do prédio onde foi a Junta de Freguesia antes de se ter mudado para a Gomes Pereira - palacete esse frente ao palacete do que foi o Centro de Saúde, na Estrada de Benfica, no início da Gomes Pereira... Sempre que ali passava, olhava para o palacete e imaginava vivências antigas, talvez recheado ainda de móveis, enfim, fantasias de criança que Benfica soube criar. Tanto para dizer...



"Palacete do Visconde Sanches de Baena" (1960),
Armando Serôdio, in Arquivo Municipal de Lisboa



E a casa do Senhor Santos, o penhorista, na Grão Vasco onde hoje fica a Pastelaria Lua de Mel, e onde eu ia, envergonhado com a minha mãe negociar empréstimos que as condições económicas eram tão débeis...




"Av. Grão Vasco, Nº 13 a 17" (s/data),
Arnaldo Madureira, in Arquivo Municipal de Lisboa



Benfica, Benfica, que um dia gostaria de ver em livro, pois acredito que ainda se vá a tempo de recuperar a memória.
Ao dispôr, não com fotografias porque os rendimentos daquela época e desta família não suportavam a despesa com máquina fotográfica. Tudo está na minha memória, no meu coração. Na minha casa do Bairro de Santa Cruz ainda vive o meu irmão mais velho.

(...)

Anexo duas ou três fotos engraçadas. Uma será do Largo Ernesto da Silva Nº 11 onde morei no topo do prédio, águas furtadas, prédio que ainda existe, o outro é do referido palacete na esquina da Travessa do Rio, que hoje dá para um parque de estacionamento.



"Estrada de Benfica" (s/data),
[a aguardar referência ao autor], in Arquivo Municipal de Lisboa



E a outra é do prédio que ficava em frente do atrás referido, e que no primeiro andar teve um fotógrafo, Foto NICE, que durante décadas fotografou ,conjuntamente com a
Foto Águia de Ouro, os pequenos e graúdos de Benfica.
O pouco de Benfica antiga que ainda resta precisava de ser fotografado."
***




*** Texto da autoria de Jorge Resende.







terça-feira, 18 de agosto de 2009

Benfica já está no "Street View"






Fotografia do
Google Street View




O Google Street View é um recurso do Google Maps e do Google Earth que disponibiliza vistas panorâmicas de 360° na horizontal e 290° na vertical, permitindo aos utilizadores visualizarem partes de algumas regiões do mundo ao nível do solo.

O Google Street View apresenta fotografias tiradas por uma frota de veículos que se deslocam no terreno para esse efeito.

Portugal passou hoje a ser o quinto país europeu a ter as ruas das suas principais cidades mapeadas no Google Street View.

E algumas das ruas das freguesias de Benfica e de São Domingos de Benfica, também, já se encontram no Google Street View.







sábado, 15 de agosto de 2009

Passadeiras novas









Os cruzamentos da Rua Cláudio Nunes e Rua Ernesto da Silva "ganharam" esta madrugada passadeiras de peões novas, em locais em que os moradores já nem se recordavam que algum dia as mesmas tivessem existido... mas onde já muitos acidentes haviam ocorrido ao longo destes últimos anos.














terça-feira, 11 de agosto de 2009

Se as pedras se deixam transportar...




"Si, entre les maisons, les rues, et les groupes de leurs habitants,
il n'y avait qu'une relation toute accidentelle et de courte durée,
les hommes pourraient détruire leurs maisons, leur quartier, leur ville,
en reconstruire, sur le même emplacement, une autre suivant un plan différent;
mais si les pierres se laissent transporter,
il n'est pas aussi faccile de modifier les rapports
qui se sont établis entre les pierres et les hommes."

Maurice Halbwachs, "
La Mémoire Collective" (1950)





"Antiga Fábrica Simões vai dar lugar a 300 habitações
por LUSA
10 Agosto 2009


Mais de 300 habitações deverão nascer na área ocupada pelos edifícios da antiga Fábrica Simões, em Benfica, Lisboa, um espaço degradado que há quase 30 anos aguarda intervenção.

Depois de anos de sucessivas alterações no projecto, e 14 anos após o incêndio que destruiu parte do edifício principal da unidade fabril, a TDF - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliários (dono da obra) e a Câmara de Lisboa chegaram a acordo sobre a Villa Simões, loteamento a construir entre a Avenida Gomes Pereira e a Estrada de Benfica.

A manutenção da fachada do edifício principal da fábrica, dos anos 20, ficou garantida, assim como a reserva de um corredor para permitir construir um túnel rodoviário a partir da Rua Morais Sarmento, passando por baixo dos edifícios da junta de freguesia e terminando perto do Centro Comercial Fonte Nova.

Segundo o processo, ainda em consulta pública, esta foi uma das condições impostas pela Divisão de Mobilidade e Rede Viária da autarquia para viabilizar o projecto, pois considerou que "a conclusão da CRIL, com os nós das Portas de Benfica e Damaia, poderá representar uma sobrecarga excessiva na Estrada de Benfica".

A Villa Simões prevê a construção de edifícios com um máximo de oito pisos, com comércio ao nível térreo e uma grande praça de uso público."





domingo, 9 de agosto de 2009

E agora algo completamente inesperado...






"Entre Alvalade e as Portas de Benfica" - Deolinda

(Vídeo de Rita Vale)





Uma estória de amor que foi nascendo, na carreira 767 da Carris, até chegarem às Portas de Benfica.

Na forma bem diferente e divertida de cantar em português dos Deolinda.







sábado, 8 de agosto de 2009

O Homem descalço que sorria




Ao certo, ninguém sabia de onde viera ou como por ali aparecera.

Uns diziam que, em tempos, fora muito inteligente e ganhara uma bolsa para vir estudar Engenharia para Portugal, mas depois, fruto das agruras da vida, o seu cérebro descompensara e dera naquele estado meio vegetativo.

Costumava andar descalço e com um impermeável cujo tempo já carcomera a cor, mas não aceitava esmolas nem roupa que lhe quisessem oferecer.

Não falava com ninguém e limitava-se a passar os seus dias deambulando por Benfica, uma vezes sentado junto ao adro da Igreja, outras vezes perto do "Nilo" ou junto ao Mercado.

Apesar do seu ar alheado de tudo e de todos, não raro era vê-lo, aquando das suas deambulações, esboçando um ténue sorriso nos lábios... Como se soubesse que a própria vida não passava de um jogo de marionetas em que só ele compreendia quem puxava os cordelinhos.

Esta tarde, pela segunda vez, encontrei-o junto aos contentores de reciclagem perto do Mercado. Agachado, procurava diligentemente, remexia entre os escombros depositados fora dos contentores. De quando em vez, largava o conteúdo dos sacos, levava as mãos à boca e lambia-as sofregamente, saciando-se com aquilo a que outros chamaram lixo.

Ao passar por ali, não consegui conter a agonia, um misto de náusea, dor e compaixão, ao constatar que, na luta pela sobrevivência, ele fazia lembrar um bicho... mas era, de facto, um homem que ali estava.

Por pudor, não consegui fotografar.







sábado, 1 de agosto de 2009

Janelas de Benfica - IV




A beleza de cada novo dia...



Tinha o cabelo, caído pelos ombros, de uma alvura profunda… e 70 e muitos anos.

Todas as manhãs abria a janela da sua cozinha e ficava por alguns instantes a perscrutar o horizonte, com um ar muito sereno, como se estivesse a admirar a beleza de cada novo dia que se iniciava.

Por vezes, quando olhava na direcção da minha janela, esboçava um sorriso e voltava a perder o seu olhar no infinito.

Passados largos meses, ela nunca mais apareceu àquela janela, que se passou apenas a abrir para uma outra senhora de bata –mais jovem- estender a roupa.

No ano seguinte, começou a aparecer mais roupa estendida à janela... e o som de risos de crianças.






Os prédios em que habitamos são como as pessoas, na sua longa existência...

As próprias pessoas vão transformando os prédios naquilo que eles são, ou que não são.
E a verdade é que os prédios vão sofrendo diversas e sucessivas fases, consoante os seus habitantes se vão regenerando.