quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A "Adega dos Ossos"





Mais uma relíquia descoberta via Helena Águas (Obrigada, Lena!)...




Fotografia do Arquivo Mário Novais

(disponível na Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian)




"Quando eu era pequeno havia duas pastelarias em Benfica. Uma por baixo da Igreja, frequentada pelo proletariado do bagaço, sempre cheia de serradura e de beatas esmagadas a que chamavam Adega dos Ossos e onde me desaconselhavam ir no receio de que eu me viciasse funestamente na ginjinha e no Português Suave e acabasse os meus dias a jogar dominó, a perder à sueca e a tossir no lenço.


Era um estabelecimento escuro, cheio de garrafas na parede, em cuja vitrina havia mais moscas que pastéis de nata. Para além das prateleiras de lombadas de garrafas, uma biblioteca de delirium tremens, lembro-me do empregado vesgo, de olho direito furibundo e esquerdo de uma benevolente ternura e do senhor Manuel sacristão que ali descia entre duas missas, de opa vermelha, a comungar copos de três numa unção eucarística oculto por trás do frigorífico no receio do prior, todo ele severidade e botões desde o pescoço aos sapatos, e para quem o vinho, quando fora das galhetas, adquiria a demoníaca propriedade de tresmalhar as ovelhas levando-as a preterir o rosário das seis horas a favor do vicío abominável da bisca."



António Lobo Antunes, in "O Paraíso" - "Livro de Crónicas" (1998)





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