quarta-feira, 30 de junho de 2010

A "Foto Nice"




O trabalho que vai sendo efectuado, actualmente, nos blogs na internet torna-se mais interessante e profundo quando os mesmos proporcionam alguma contrapartida positiva aos seus leitores, para além da troca e partilha quotidiana.

No "Retalhos de Bem-Fica" já proporcionámos alguns reencontros familiares, temos vindo a ajudar na busca pelo espólio de um antepassado e, sobretudo, temos conseguido juntar um grupo de pessoas tão diferentes mas unidas por uma vivência comum na nossa freguesia (que têm dinamizado acções e intervenções cívicas muito interessantes e positivas para o desenvolvimento de Benfica).

Foi por isso mesmo que, esta manhã, ao descobrir o comentário que o José António Baptista nos deixou aqui, fiquei tão contente por, mais uma vez, este nosso blog comunitário ter proporcionado algo de bom a alguém.

Porque as palavras do próprio fazem mais sentido do que as minhas, deixo-vos aqui com o seu belíssimo testemunho e memórias...



"Estrada de Benfica" (s/data),
[a aguardar referência ao autor], in Arquivo Municipal de Lisboa





"Do baú das memórias"


Este texto é uma memória com particular importância para mim. Esta versão é de Outubro de 2002 e não me canso de a ler e reler, pois sempre que o faço novas imagens assomam ao meu espírito, em vagas imparáveis, espessas ondas que me transportam para aqueles tempos felizes em que fui criança. Não é por acaso que sou um apaixonado pela arte da Fotografia. Deixo-o aqui, para vossa fruição, ao jeito de saudade e homenagem a esse homem extraordinário que foi o meu tio e padrinho Virgílio Costa:


'A Fotografia'

- Zézinho, queres vir para casa da tia? Era quanto bastava para eu saltar e pular como se de súbito tivesse ensandecido, gritando que sim, que sim, sorriso rasgado de orelha a orelha, pois ir para casa da tia significava passar alguns dias em Lisboa, na casa da tia na estrada de Benfica e ir com o padrinho, fotógrafo de profissão, que era também tio pois era marido da tia, mas que todos preferíamos tratar por padrinho, para a casa de fotografia que ele tinha na mesma rua, mesmo em frente ao já demolido Palácio dos Sanches Baiena ou de Benfica.

A casa de fotografia ficava num primeiro andar por cima de uma taberna escura de tecto muito baixo, e era conhecida como “Fotografia Nice”, mas todos na família a tratavam carinhosamente apenas por a “Fotografia do Padrinho”. Ir com o padrinho para a Fotografia era penetrar num universo maravilhoso de sonho, fantasia e mistério. Era como entrar num sótão velho, cheio de coisas para descobrir, de luzes e cortinas pretas, como um teatro permanentemente montado, aguardando as pancadas de Moliére para a entrada dos actores e começo do espectáculo. A sensação de entrar num sótão era aumentada pelo acesso, feito por uma escada velha e íngreme de degraus de madeira, dramaticamente gastos e que rangiam a cada passo dando um ambiente fantasmagórico à subida. Entrava-se por uma porta com uma mola de correr que engenhosamente fazia soar uma campainha: trimmmm...

Lá dentro, respirava-se o passado. Armários antigos e gavetas que guardavam sabe-se lá o quê. Talvez memórias de quando aquela casa era o local de habitação do padrinho e da família no tempo em que se racionavam os géneros alimentícios. Mas eu tentava saber o que continham tudo o que fosse gaveta ou caixa e abria todas as que podia, atraído por uma curiosidade incontrolável. Era com um misto de prazer e fruto proibido que abria as pequenas caixas de cartão colocadas às dezenas, disciplinadamente, numa prateleira e de cujo interior extraía velhas chapas de vidro, que guardavam antigos rostos em negativo para os quais eu olhava em contra-luz procurando ver o verdadeiro rosto daquelas pessoas, que eu não conhecia mas que ali via aprisionadas para a eternidade, tal como tinham estado naquele dia, naquele instante, agora tornado passado.

A prensa era um brinquedo fantástico pois marcava, com cunhos, as folhas de papel que lá metia. E esmagava sem piedade as molas da roupa, em madeira, que serviam para pendurar as fotografias a secar. Era um gozo imenso rodar aquelas duas grandes bolas metálicas do braço da prensa e senti-la esmagar, num gemido surdo, os pequenos pedaços de madeira. Havia também aparelhos estranhos de funções desconhecidas, projectores de luz, tripés e uma fabulosa máquina de estúdio, em madeira, com um grande fole negro e um pano preto na retaguarda. Máquina que, como o padrinho me mostrou, punha as pessoas de cabeça para baixo. Juro! Juro...! Caixas de luz onde, a um toque num pequeno interruptor, se acendia no centro um rectângulo de luz, no qual, a pincel e tinta da china, negra como carvão, com mão de artista e toque de génio, o padrinho retocava os negativos, para obter fotografias perfeitas. E obtinha! Mas o melhor de tudo era quando o padrinho me levava para a câmara escura. Era como se eu fosse também um actor naquele espectáculo, com o privilégio de conhecer, não só o palco, mas também os bastidores e o segredo dos cenários.

A velha cozinha transformada, de um lado a bancada com o ampliador e do outro uma enorme bacia de pedra com um ralo no centro e com a água sempre a correr e as tinas dos banhos. Entravamos. A pesada e espessa porta fechava-se. O padrinho apagava a branca luz do tecto. Era a obscuridade absoluta. A sensação de estar envolvido numa qualquer aventura, numa conspiração era verdadeiramente fabulosa, única. Sentia que ia ser iniciado pelos deuses num mistério, o qual me ia ser revelado. Na escuridão ouvia a respiração do padrinho, sentia a sua presença e procurava adivinhar-lhe os gestos. Gestos de quem conhecia bem o espaço que trilhava e se movia no escuro como se a luz estivesse acesa. Então acendia-se a luz vermelha, veladíssima, a única permitida, e só de vez em quando, por curtos períodos, pelo material fotográfico. Depois de tudo preparado e posicionado, fazia-se de novo escuro. Na escuridão, ouvia-o abrir a caixa do papel, tirar uma folha e colocá-la com perícia no ampliador. A luz deste acendia-se projectando o negativo no papel através de um cone de luz e eu espreitava, fascinado, olhando com ávida curiosidade aquelas estranhas manchas cinzentas, umas claras e outras escuras. Manchas que tornavam brancos os pretos das áfricas e dos brancos fazia negros! Como se a fotografia quisesse tratar todos os homens da mesma maneira, talvez com o mesmo desprezo. Manchas das quais nasceria a fotografia. Via o padrinho, com as mãos, manipular o cone de luz com gestos de mágico, para compensar zonas mais ou menos queimadas. A folha era colocada na tina com o banho de revelador e, pouco depois, como por magia, a imagem aparecia a pouco e pouco.

Era ver-me, debruçado sobre a tina com o nariz quase mergulhado lá dentro, vendo a superfície do papel a alterar-se, escurecendo, manchando-se de óxido de prata, objectos, corpos, rostos formando-se, como fantasmas saindo do nada. Mais tarde aprendi por que processos químicos aquele fenómeno era possível e eu próprio fiz trabalho fotográfico em laboratório como amador mas naquele tempo, aquilo tinha o sabor da magia, a atracção do inexplicável. Naquele momento, o padrinho era um mago, um prestidigitador. E eu era o público daquele espectáculo fantástico. Público privilegiado e maravilhado. Depois a fotografia passava ainda por fixador e era lavada sendo em seguida pendurada a secar para, ainda húmida, ir para a esmaltadeira. E eu ia dar outra volta, correr todos os corredores, entrar em todas as salas, assomar a todas as janelas, percorrer todos os cantos, procurar em todos os esconsos, saboreando o mais possível a minha aventura naquele castelo mágico. Era assim ir a casa da tia!

José António
Oeiras, 12 OUT 2002

Publicado in "Caracol, Carolas"









segunda-feira, 28 de junho de 2010

A "Metalúrgica de Bemfica"





Fotografia de Pedro Cabral




No seguimento do pedido que tínhamos recebido, de um dos nossos leitores, há alguns meses atrás, aqui deixamos mais uma fotografia daquilo que, até há alguns anos atrás, restava da "Metalúrgica de Bemfica".

Muito obrigada, Pedro, pelo envio da foto!





quinta-feira, 24 de junho de 2010

Encerramento do Ano Lectivo



"Quem infringiu a lei da eternidade
que não permite recomeçar a vida?

Ignoram-me. Não sou. Tenho vontade

de ser também um velho desde sempre.

Assim conversarão

comigo sobre coisas

seladas em cofre de subentendidos

(...)

Nem me vêem passar. Não me dão confiança.

Confiança! Confiança!"


Carlos Drummond de Andrade - "Os Velhos"


"Homens idosos são sempre jovens o bastante
para aprender, com lucro."


Ésquilo (dramaturgo grego)





Realizou-se hoje a Festa de encerramento do Ano Lectivo na UNISBEN - Universidade Intergeracional de Benfica, a qual incluiu uma exposição de trabalhos elaborados pelos alunos, uma exibição de danças e cantares regionais, assim como a actuação do Coro da Universidade.

Num ambiente de grande animação e convívio singelo, a Festa prolongou-se noite dentro com um jantar organizado pela Comissão de Alunos, o qual teve ainda um momento de poesia e a actuação da Tuna da UNISBEN.




Fotografias 1 a 5, 8 a 13, 17 e 18, 20 a 22 de Fausto Castelhano
Fotografias 6 e 7 de Alexandra Carvalho
Fotografias 14 a 16 e 19 de Miguel Coelho

Música "La Fête" de Rodrigo Leão




Numa sociedade que deixou de querer aprender com os seus anciãos, preferindo depositá-los em lares ou abandoná-los em hospitais, como se, a partir dos 60 anos, nada mais tivéssemos a oferecer aos outros porque, supostamente, deixámos de ter existência...

É de enaltecer iniciativas como a que a UNISBEN - Universidade Intergeracional de Benfica, há 4 anos, vem desenvolvendo, como forma de combater a solidão e proporcionar aos seniores com mais de 50 anos momentos de aprendizagem e lazer (em múltiplas áreas do saber, nomeadamente as línguas, ciências sociais, saúde e música, entre outras, dando ainda a oportunidade de participar em actividades práticas em paralelo).

Na UNISBEN vive-se com um espírito extremamente positivo e amical cada novo dia que passa, porque, na verdade, a vida ainda lhes tem muito a oferecer (e vice versa).
Muito teríamos ainda a aprender com os nossos "velhos", se tivéssemos tempo para parar e apreciar o que a vida tem de melhor... as relações humanas!

Mais uma vez, gostaria de aqui deixar um agradecimento sincero a todos na UNISBEN, pela forma como (sempre) nos recebem e acarinham!






segunda-feira, 21 de junho de 2010

"S.O.S. Azulejo" de Benfica




Fotografia de Mário Pires





"Cara Alexandra,

como seguidora assídua do blogue «Retalhos de Bemfica» e do esmerado esforço na divulgação da necessidade de preservação do património histórico-cultural da freguesia e arredores, gostaria de lhe indicar um site, que me pareceu importante.

Trata-se da tentativa de alguns investigadores, e não só, de inventariar, estudar, divulgar e salvaguardar o património azulejar português. A importância reside, no entanto, na ligação estreita à Polícia Judiciária para a criação de uma base de dados sobre azulejos furtados.

Como no seu blogue são muitas vezes dados alerta sobre imóveis em ruína alvo de saques violentos achei que esta indicação poderia ter interesse:

"S.O.S. Azulejos"

Até breve,
Catarina Coelho"




Fotografia de Mário Pires




No seguimento do e-mail que nos foi enviado pela Catarina Coelho, alertando para a existência do Projecto "S.O.S. Azulejo" (que surgiu da necessidade imperiosa de combater a grave delapidação do património azulejar português que se verifica actualmente, de modo crescente e alarmante, sobretudo por furto, mas também por vandalismo e incúria - projecto da iniciativa e coordenação do Museu de Polícia Judiciária);

Informamos todos os nossos leitores que, no trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelo fotógrafo Mário Pires, no "Inventário de Imóveis" da nossa freguesia, também existe a possibilidade efectuar o levantamento fotográfico de azulejos de Benfica.

Nesse sentido, bastará que ao preencherem o formulário abaixo, indiquem, na caixa de comentários, a menção a que se deverão também fotografar em detalhe os azulejos existentes no imóvel que referenciarem neste formulário.







Em caso de dúvidas mais técnicas quanto à utilização deste formulário, dêem-nos uma "apitadela" para: palavraseimagens@gmail.com

Álbum do "Inventário de Património" da freguesia de Benfica disponível aqui.






sábado, 19 de junho de 2010

O 25 de Abril e a RTP (II)





Todos os direitos reservados @ Fausto Castelhano, "Retalhos de Bem-Fica" (2010)



[Ler o Capítulo 1 aqui]



(ou quando o Movimento das Forças Armadas se esqueceu de “conquistar” o Centro Emissor de Monsanto…)


por Fausto Castelhano



Capítulo 2


A madrugada do 25 de Abril de 1974





A madrugada já ia alta quando é proferido o primeiro comunicado dum tal Movimento das Forças Armadas, difundido pelo Rádio Clube Português e na voz de Joaquim Furtado. Por fortuna, já me encontrava acordado há um bom bocado e com o auscultador do rádio portátil encaixado no ouvido esquerdo (3). Não consigo descortinar um motivo plausível para tal propensão e, admito que seja mera sugestão, porém tornava-se mais cómodo e com a nítida sensação de uma melhor audição… Adquiri esse hábito desde há muito tempo e auxilia-me a pegar no sono mais facilmente já que, sempre dormi “mal e porcamente”, como se costuma dizer… Para mim, três ou quatro horas será o suficiente para o meu descanso diário e, a partir daí, não aguento a “despertina” e…“ala que se faz tarde”!



Quartel do Regimento de Infantaria 5 nas Caldas da Rainha.
(Foto Wikipedia)




E foi assim, por simples acaso, e porque estava sintonizado na onda média daquela estação de radiodifusão, que me permitiu escutar, por volta das 04:26 da “matina”, a inesperada mensagem de contornos, algo nebulosos, do Movimento das Forças Armadas. (4) Estremeci e, repentinamente, lembrei-me da incomensurável tragédia do 11 de Setembro de 1973, no Chile de Salvador Allende (provocada pela golpada de Augusto Pinochet e seus sequazes) ocorrida meses antes, mas arredei, imediatamente, esse mau e angustioso pensamento. Todavia, o teor do comunicado suscitou-me alguma preocupação, fiquei um pouco cismático e com a pulga atrás da orelha…



Fachada do edifício do Centro Emissor de Monsanto, a parada e a escadaria da entrada principal.
(Foto de Fausto Castelhano)




No mês anterior, sucedera a sexta-feira fria e nevoenta do 16 de Março (5) quando a tropa do Regimento de Infantaria 5, aquartelada nas Caldas da Rainha, avançara de madrugada até às portas de Lisboa e agora, acontecia outra sublevação dos militares… Algo de volumoso impacto, ou não, se estaria a passar no país e, novamente, ao nível das Forças Armadas… O que pretendiam, para que lado iriam tombar quando surgisse a hora crucial de se definirem e tomarem decisões sérias e concretas isto é, ao soarem as trombetas da verdade… E que forças estariam envolvidas na movimentação? O Exército, a Marinha, a Força Aérea, a Guarda Nacional Republicana? Para mim, o impacto daquele momento era gerador de evidente e singular expectativa, uma insondável incógnita…



Original da 1ª licença (3/8/1964) do Emissor Siemens do 1º Programa da RTP no Centro Emissor de Monsanto – Benfica – Lisboa.
(Documento de Fausto Castelhano)



Não obstante, e uma vez que o Comunicado do Movimento das Forças Armadas fora emitido pelo Rádio Clube Português deduzi que, pelo menos, tanto os estúdios como os próprios emissores (do Porto Alto) da estação emissora já se encontrariam, na melhor das hipóteses, arrebanhados… Será que os militares teriam ocupado outras estruturas consideradas pontos-chave?
Contudo, na leitura do Comunicado houve um pormenor que me causou um misto de apreensão, perplexidade e desconfiança das reais intenções do chamado Movimento das Forças Armadas, vulgo MFA: “a fim de evitar qualquer incidente, a população deve recolher a casa e manter-se calma”… Ou seja, não fazer ondas e… bico calado…



Fausto Castelhano junto do Emissor do 1º Programa da RTP - Canal 7 (entrada em funcionamento a 7 de Março de 1957). - Reparem no tamanho do equipamento que, afinal, incluía 2 emissores: Emissor de Imagem de 10 KW e Emissor de Som de 2 KW) – A porta aberta do último bastidor, à direita, é o amplificador de 1 KW do Emissor de Imagem - Centro Emissor de Monsanto.
(Dezembro de 1966 - Foto de Fausto Castelhano)



Larguei, logo ali, um gordo e ofensivo palavrão que me abstenho de reproduzir na íntegra… O que é que esta gajada espertalhuça, desta vez, estará a maquinar? Revolução “à séria” não será de certeza absoluta, longe disso… Que raio!... Em parte alguma do planeta ou em qualquer época da História se desenvolveram revoluções, p’ra valer, encafuando o maralhal em casa… Dava que matutar… e de que maneira…



Válvula de potência (em cobre revestida a prata) do Amplificador de 1KW do Emissor de Imagem do 1º Programa da RTP de Monsanto - Canal7.
(Foto de Fausto Castelhano)



Pelos indícios, já que estava em curso uma cerrada contestação militar, nomeadamente ao nível do Exército (devido à Guerra Colonial e ao diferendo das promoções dos Oficiais do Quadro Permanente os quais, estariam a ser ultrapassados pelos Oficiais Milicianos), a “coisa” cheirava-me a esturro e, se calhar, a mais uma precipitada e inconsequente “quartelada”, ou seja, e deixemo-nos de rodeios, mudar as moscas, os moscardos e alguma fauna inofensiva que, desde tempos imemoriais infestam a sociedade portuguesa, com o evidente propósito (não sejamos ingénuos) de ficar tudo, ou quase tudo na paz dos cemitérios… Esta foi a minha leitura…Curiosamente, ainda hoje mantenho essa inabalável convicção… (6)



A “arraia-miúda” a empurrar…sempre a empurrar…
(Foto da Wikipedia)



Porém, as recomendações dos militares deram com os “burrinhos na água” e todo o esquema laboriosamente engendrado se estraçalhou, radicalmente, com o povo à solta no meio da rua, totalmente empolgado num formidável desvario de grande exaltação patriótica e na orgia avassaladora da plena liberdade… a empurrar, a empurrar a tropa… E, claro está, em descarada desobediência aos intentos do MFA, tal como constava dos seus próprios comunicados que, insistentemente, iam sendo difundidos… martelando, martelando na mesma tecla: bom povo, desandem p´rós cortelhos e deixem-se de euforias… E, às 18:15 horas, é o próprio Salgueiro Maia que, mais uma vez, roga à multidão que abandone a área do Quartel do Carmo!



A esfuziante alegria do populacho que já não embarcava em “tangas”…
(in Wikipedia)




Pois… mas o populacho, avançou de rompante pela festarola adentro sem ser convidado e afirmou-se, mais uma vez, como o grande e destacado protagonista da História… Se não foi assim, então expliquem-me muito bem, de trás p’ra frente e da frente p’ra trás mas… tais argumentos (se existirem) devem assentar em bases sólidas e suficientemente convincentes… Sou avesso a que me comam as papas na cachola! De contrário… mantenho-me sem vacilar um milímetro que seja e não estarei equivocado na minha crença…



Agora, apertem com eles…Ou vai ou racha…
(in Wikipedia)



Confrontado com a insólita comunicação do MFA, borrifei-me no recado endereçado à população portuguesa e não hesitei um segundo… De resto, até me dava jeito uma vez que, estava de serviço naquele dia, apesar do peculiar horário de trabalho (um pouco esquisito, na verdade) que, no ano de 1970 e por intermédio duma petição, os técnicos dos Emissores de Monsanto conseguiram obter, a custo e mercê de luta abnegada e persistente, mas satisfazendo os seus principais e justos anseios… Isto é, acautelar eventuais danos de ordem física e protegendo a saúde de todos quantos ali laboravam. (7)



E nem o impagável “Tareco” (como era conhecido o monárquico Francisco de Sousa Tavares) empoleirado na guarita da GNR do Quartel do Carmo se coibiu de arengar às massas populares e convencê-las a abandonar o local… A populaça não lhe ligou a ponta dum corno!
(in Wikipedia)



Fausto Castelhano e o mecânico-escalador (e amigo) Manuel Silvestre juntos do Emissor do 1º Programa da RTP do Centro Emissor de Monsanto - 15 de Janeiro de 1972.
(Foto de Fausto Castelhano)



Alvoroçado, saltei da cama, vesti-me num rufo, disse à minha mulher que ia dar uma saltada a Monsanto, despedi-me apressadamente e, quanto às miúdas (a Leninha, de oito anos e a Paulinha com 7 anos) nem isso… No bucho, não entrou côdea… Queria lá saber!
Desarvorei porta fora… Sentei-me ao volante do Vauxhall-Viva vermelho e… arranquei “na brasa”… Àquela hora da madrugada, o sossego reinava nas ruas, trânsito diminuto ou inexistente… Apenas o ronronar do motor do carro… Buraca, Embaixada do México, Estádio do Casa Pia e, a partir daí internei-me, em cheio, na mata do Parque Florestal de Monsanto… A subida até ao cruzamento da Estrada do Forte de Monsanto, “Curva da Marreca”, Rotunda da Cruz das Oliveiras, subida pela Estrada Tenente Martins (na direcção da Cadeia de Monsanto) e, a meio do percurso e à direita, a Estrada da Belavista. A poucos metros, o portão do Quartel do GDACI (Grupo de Detecção Alerta e Conduta de Intercepção da Força Aérea Portuguesa) e o atento sentinela de G3 a tiracolo… Mais cinquenta metros adiante e confundindo-se no denso arvoredo do Parque Florestal de Monsanto, lá estava a elegante e inconfundível torre metálica (em aço alemão) que suporta os 12 painéis de emissão da RTP1 e os 64 painéis de emissão da RTP2 (e os respectivos cabos coaxiais) e, no cocuruto, os quatro farolins vermelhos de sinalização ao tráfego aéreo…
Como era costume, apliquei duas breves buzinadelas do claxon do carro e… pronto… Com a pedra no “chanato”, olho aberto e dedo no gatilho, parei frente ao portão do Centro Emissor de Monsanto. Aparentemente, estava tudo como dantes, Quartel-General em Abrantes…
Tinham transcorrido cerca de quinze intranquilos minutos desde casa (morava, ao tempo, na Rua Manuel Múrias, no Charquinho) até ao meu destino, mas sem motivo aparente, um sentimento de profunda insegurança e receio apossou-se do meu ser…



NOTAS


(3)


O rádio-transistor que me permitiu ouvir o 1º Comunicado do MFA

O receptor de rádio transistorizado (d’uma conhecida marca japonesa muito em voga naquele tempo) fora adquirido, à sorrelfa, aquando da minha permanência (três anos) na Força Aérea Portuguesa na especialidade de Electrónica. Após frequentar a Escola Militar de Electromecânica, fui colocado no Aeródromo Base Nº1, Figo Maduro-Portela, local onde o negócio do contrabando fervilhava em alta escala. O magnífico aparelho possuía uma excelente onda curta que me permitia captar, em perfeitas condições de recepção, as emissões da Rádio Portugal Livre, tanto da Argélia como da Roménia (aqui, na voz inconfundível de Aurélio Santos).
No Laboratório de Electrónica do Aeródromo Base nº1, as emissões referidas anteriormente, eram captadas através dos magníficos rádios a válvulas Hamarland da própria Força Aérea Portuguesa e sempre avidamente escutadas por uma assistência fiel, atenta e bastante interessada… Bons tempos!


(4)

O 1º comunicado do MFA

04:26 horas: Leitura do primeiro comunicado do MFA, pela voz do jornalista Joaquim Furtado, aos microfones do Rádio Clube Português:
“Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas.
As Forças Armadas portuguesas apelam a todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a máxima calma. Esperamos sinceramente que a gravidade da hora que vivemos não seja tristemente assinalada por qualquer acidente pessoal, para o que apelamos para o bom senso dos comandos das forças militarizadas, no sentido de serem evitados quaisquer confrontos com as Forças Armadas. Tal confronto, além de desnecessário, só poderá conduzir a sérios prejuízos individuais que enlutariam e criariam divisões entre os Portugueses, o que há que evitar a todo o custo. Não obstante a expressa preocupação de não fazer correr a mínima gota de sangue de qualquer português, apelamos para o espírito cívico e profissional da classe médica, esperando a sua acorrência aos hospitais, a fim de prestar a sua eventual colaboração, que se deseja, sinceramente, desnecessária”. (in WIKIPEDIA).

Os outros Comunicados do MFA: 04:45; 05:15; 07:30; 10:30; 11:45; 13:00; 14:30; 15:00; 17:30, etc.


(5)

16 de Março de 1974

Cerca das quatro horas da madrugada do dia 16 de Março de 1974, o Regimento de Infantaria 5, aquartelado nas Caldas da Rainha, deteve o comandante, o segundo comandante e três majores e iniciou uma marcha com uma coluna autotransportada de 200 militares comandada pelo capitão Piedade Faria a caminho de Lisboa, com a específica missão de ocupar o aeroporto de Lisboa.
O objectivo, segundo se constava, seria derrubar o Governo e desbravar caminho para a Democracia. No entanto, falharam os apoios previstos e a coluna militar acabou por não conseguir entrar na capital. Os cerca de 200 militares regressaram, então, às Caldas da Rainha onde acabaram por se render e feitos prisioneiros. Terminava assim a tentativa de golpe de estado que serviu de ensaio para o 25 de Abril.


(6)

As grandes dúvidas persistem… até hoje!

As dúvidas, que teimosamente faço questão em manter, avolumaram-se com as declarações inusitadas do capitão Ramos, já na madrugada do dia 26 de Abril e após a apresentação da Junta de Salvação Nacional (01:26 horas). À pergunta do jornalista “Quanto aos presos políticos, como é?”, a resposta foi rápida e concisa: “Só saem alguns”! (a gravação existe nos arquivos da RTP). Sabemos quem lá ficava… ou não? Talvez, os que mais lutaram e arriscaram desde o 28 de Maio de 1926. Os que mais se sacrificaram, os que pagaram com a própria vida pela coragem e capacidade de luta, sem desfalecimentos e na esperança de uma sociedade mais justa… Aqueles que nunca fecharam as portas ou se encolheram… Resolver esta escaldante e embaraçosa questão, tornou-se proeza de vulto…
O povo cercou as prisões de Caxias e de Peniche e exigiu que os encarcerados fossem libertados…Os presos, por sua vez, apresentaram um ultimato “do caraças”: ou “os soltavam a todos ou então, nenhum dos detidos sairia cá p’ra fora”!
Daí que, os 35 detidos de Peniche só fossem libertados às 23.30 horas do dia 26 de Abril mas, os 81 presos de Caxias, só conheceram a liberdade a 27 de Abril, à noite… E foi necessário que as Forças da Marinha de Guerra (em Peniche, liderados pelo comandante Carlos Machado dos Santos) irrompessem pelas prisões dentro e abrissem os portões de par em par… O resto… são balelas…
Quanto aos juízes dos Tribunais Plenários, que julgavam e condenavam os patriotas portugueses a penas de prisão pesadíssimas e a outras medidas de excepção, estamos conversados… Não lhes tocaram, nem sequer com uma simples palheirinha… E, no que diz respeito aos agentes das PIDE/DGS, aos directores do Campo de Concentração do Tarrafal e ao médico carniceiro Esmeraldo Pais Prata, “o Tralheira”, nem é bom falar… Quanto mais se mexe na trampa… mais mal ela cheira…
Já agora, um pormenor curioso… Nos momentos conturbados da nossa História, seja na crise de 1383/1385, 1 de Dezembro de 1640, 5 de Outubro de 1910 e outras, o povo foi sempre convocado p’ró meio da rua, participando e agindo como o indiscutível sujeito da História! Agora, no caso concreto do 25 de Abril de 1974, verificou-se uma diferença abismal: o “povo miúdo” tornava-se um empecilho a ter em conta e ordenavam-lhe, sem peias, que se mantivesse no cortiço, sossegado e… sem bulir…


(7)

Um Horário de Trabalho bastante bizarro…

Em 1969, e através duma petição, os técnicos dos Emissores exigiram um Horário de Trabalho Especial sob pena de não controlarem os emissores e, pela mesma ordem de razões, recusavam a reparação de possíveis avarias se, por acaso, ocorressem… Alegaram, e bem, que as condições de trabalho na Sala dos Emissores colocavam a sua saúde em permanente risco provocado, não só pelas radiações dos próprios emissores mas, também, pelo intenso ruído derivado da deficiente ventilação do emissor do 2º Programa (Canal 25 - Banda UHF) que, entretanto, entrara em funcionamento a 25 de Dezembro de 1968.



27 de Fevereiro de 1969. Petição exigindo a alteração de Horário de Trabalho. Dos quatro técnicos que compunham os dois turnos, houve um deles que se recusou a assinar o documento… Ele anda por aí… na nossa Freguesia de Benfica…
(Documento de Fausto Castelhano)



27 de Abril de 1970) - 1ª página do extenso relatório onde constavam as conclusões do LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil, da Fábrica Phillips (Eindhoven – Holanda) e do Serviço de Medicina do Trabalho (de 27 de Abril de 1970).
(Documento de Fausto Castelhano)



25 de Dezembro de 1968 – Entrada em funcionamento do Emissor de UHF (canal 25) do 2º Programa da RTP. A partir da esquerda: os técnicos Oliveiros Lopes Gervásio, Fausto Castelhano, Martinho Gama Dias e o contínuo/vigilante Aníbal Alves.
(Foto da Revista Nova Antena e incluída na reportagem efectuada no Centro Emissor de Monsanto)



25 de Dezembro de 1968 - Pormenor da sala dos Feixes Hertzianos com os equipamentos TM110 (os primeiros à esquerda).
(Foto retirada da Revista Nova Antena e incluída na reportagem efectuada no Centro Emissor de Monsanto)



Um dos técnicos recusou-se a colocar a sua assinatura no documento não obstante, levámos por diante as nossas pretensões…
Numa primeira investida, a exigência dos reclamantes foi linearmente recusada porém, a rebelião apenas tivera o seu início… Chutámos tudo p’rá barafunda e esticámos a corda ao limite do possível… Rapaziada com o sangue na guelra, um pouco “atravessada”, mas era assim… A nosso pedido, o Serviço de Medicina do Trabalho, chefiado pelo Dr. Ramos Assunção (já falecido), deslocou-se ao Centro Emissor de Monsanto e analisou, em pormenor, todo o cenário existente na Sala dos Emissores; o Laboratório Nacional de Energia Civil (LNEC) foi requisitado e procedeu a medidas de Rádio Frequência na própria Sala dos Emissores; enviada uma exposição à Fábrica Phillips, em Eindhoven (Holanda) no sentido de examinar as possíveis fugas de RF no emissor do 2º Programa (a resposta chegou a 7 de Julho de 1969) e outra ao Serviço de Higiene e Segurança.
O impasse manteve-se durante algum tempo contudo, aquando duma avaria no Emissor do 1º Programa (canal 7), onde os técnicos de serviço à emissão não teriam sido tão lestos quanto deviam ou podiam (se calhar, propositadamente), as entidades superiores da RTP, não lobrigaram outra alternativa consensual e... amocharam…
O presidente do Conselho de Administração, Dr. Ramiro Valadão, enviou uma nota, urgentíssima, ordenando que se alterassem, imediatamente, os horários dos quatro técnicos dos Emissores de Monsanto… E só a esses… E mais: Que a mesa de comando fosse imediatamente removida da Sala dos Emissores e instalada uma gaiola de Faraday e à prova de ruídos, de modo a proteger os técnicos de eventuais radiações. Finalmente, seria substituído o sistema de ventilação do emissor do 2º Programa… A guerra terminara com inteiro sucesso e, ao tempo, fora uma valente pedrada no charco…



25 de Dezembro de 1968 - Reportagem da Revista Nova Antena no Centro Emissor de Monsanto na inauguração das emissões regulares do 2ª Programa da RTP (Canal 25).
(Foto retirada da Revista Nova Antena e incluída na reportagem efectuada no Centro Emissor de Monsanto)



Elaborámos o seguinte esquema: Por cada turno, equipas de dois técnicos com o horário de trabalho das 11:00 às 23:00 horas e um intervalo de 1/2 hora para o almoço e, claro está, outra 1/2 hora para o jantar… E, como cereja em cima do bolo, ainda fomos agraciados com um atraente subsídio como prémio pela bizarria do tipo de horário… A lei não permitia horários tão insólitos… Assim, a partir daí, trabalhava-se dia sim, dia não… Uma maravilha… Pois bem, em virtude deste tipo de horário, não tive o ensejo de participar no inolvidável desfile, pleno de transbordante entusiasmo do povo de Lisboa que foi o 1º de Maio de 1974. Pelos mesmos motivos, acabei por ficar enredado nas ocasiões mais críticas que se viveram nos anos de 1974 e 1975, ou seja, no 28 de Setembro de 1974, 11 de Março de 1975 e 25 de Novembro de 1975… Não sei se foi um grande “galo”ou não, mas vivi, em grande estilo, precisamente nessas datas, momentos inesquecíveis…



Fausto Castelhano e Francisco Madeira Gomes na novel Mesa de Comando, no interior da nova estrutura isolada da Sala dos Emissores - Gaiola de Faraday.
(Foto de Fausto Castelhano – Maio de 1992)




Ali, no nosso local de trabalho, enfrentámos situações embaraçosas e de enorme dramatismo originadas pela conflituosa e confusa situação política que se vivia, então, no nosso país… Os militares aprenderam depressa: o Centro Emissor de Monsanto, afinal de contas, era o fulcro em torno do qual gravitava toda a engrenagem das emissões de televisão… Ficámos protegidos pelas tropas que se transferiram, com armas e bagagens, p´ró Centro Emissor de Monsanto… Um autêntico quartel!


*********************************
Continua…





quarta-feira, 16 de junho de 2010

Portas de Benfica

"Portas de Benfica, faziam parte da antiga estrada Militar" (1961)
Arnaldo Madureira, in
Arquivo Municipal de Lisboa




Fotografia gentilmente enviada por Inácia Oliveira







terça-feira, 15 de junho de 2010

Vila Ana entra no "Mundial"




Em dia de "entrada em campo" da selecção portuguesa no "Mundial'2010", o Sr. N. (o último morador-inquilino da Vila Ana), como já vem sendo hábito (sobretudo em dias de jogo do Sport Lisboa e Benfica), aproveitou para enaltecer o seu amor ao futebol...



Fotografia de Alexandra Carvalho




... desta feita, com os símbolos das suas 3 paixões.

Acredito que muitos dos nossos leitores e redactores, irão ficar bem contentes, depois de verem uma das faixas que o Sr. N. colocou na sua janela!






segunda-feira, 14 de junho de 2010

DECEPÇÃO - UM MOMENTO DE REFLEXÃO




"Um grupo de marchantes. Aqui ainda residia a alegria e a esperança de uma boa classificação."
Fotografia de Clube Futebol Benfica



"Recebi às 12,30 horas, um telefonema de um futebolbenfiquista que vive no Canadá, João Mouzinho, a felicitar-me pela excelente Marcha que apresentámos na Avenida. Emocionado e de quem vive há distância o acontecimento, lá me foi dizendo que gostou imenso e que louvava o trabalho realizado. Nessa altura já sabia a classificação da nossa Marcha, mas vendo o entusiasmo do Mousinho não tive coragem de revelar. Por cobardia ? Não! Não quis esmorecer o entusiasmo de um homem ausente, que sentiu e viveu a alegria de ver algo da sua cultura e com orgulho se manifestou.

Ora, este entusiasmo do 'Mousas' como os amigos o tratam, leva-me a um comentário acerca da frustração de momento e aquilo que sempre pensei em termos de marchas populares.

Eu sei que a vida é feita de mutações, mas as marchas populares, como o regulamento determina é uma recriação ao passado, por isso não aprecio, nunca apreciei e obviamente sempre discordei desta forma de organizar as festas da cidade, sobretudo desde o momento que se imprimiu uma componente competitiva que naturalmente tem descaracterizado as marchas. E há uma situação que para mim me parece incompreensível, isto é, tratando-se de uma festa, de uma actividade cultural, porque razão não se procura outro modelo que retire exageros de apreciação, os quais causam desavenças entre os bairros, entre as pessoas e são contrários aos efeitos que se procura atingir quando se organiza uma festa. Também, por outro lado, é um facto que um grupo de pessoas, com formação diferente, bastante heterogénea, compreenda no seu todo os vários factores determinantes para a classificação. Quero eu com isto dizer que existindo esta verdade insofismável a mesma devia servir como factor de integração social e não como um monte de frustrações ou como arremesso contra os outros com os mesmos problemas e com a mesma dedicação naquilo que empenhadamente fazem ao longo dos quatro meses de trabalho na preparação da festa (?), basta ler os blogues para compreender o que digo ou quero dizer com estas minhas palavras.

Eu acompanho os marchantes da Marcha que ajudei a construir. Também me encontro frustrado com a classificação. Lembro-me das pessoas que apoiaram a Marcha com entusiasmo ao longo da Avenida, alguns é certo por fazerem alguma confusão com o SLB, mas outros muitos que gritando pela marcha de Benfica davam vivas ao FÓFÓ; lembro-me das pessoas que nos apoiaram nas ruas de Benfica e na Exibição na Junta; lembro-me do apoio recebido da Alexandra através do BLOGUE "RETALHOS DE BEM FICA"; lembro-me do apoio da Junta de Freguesia e lembro-me ainda do apoio dos anónimos e da população do Bairro que, naturalmente, gostaria de ver o seu Bairro melhor classificado.

No dia em que estive no 'Portugal no Coração', residia em mim uma esperança enorme numa boa classificação, não obstante isso, afirmei que classificar Marchas era aleatório, ou seja, dependia muito de várias circunstâncias nem sempre bem definidas. Não me enganei. A marcha de Benfica não merecia esta classificação que lhe atribuiram. Eu estive lá. Vi o entusiasmo com que fomos recebidos e saudados no Pavilhão Atlântico. Vi e vivi o desfile, com entusiasmo, com alegria, na Avenida. Não sei se alguma Marcha foi tão viva, tão alegre na Avenida como a nossa. Para quê? Para meia dúzia de eruditos classificarem as marchas sem conhecerem a verdadeira razão da existência das mesmas e, quase de certeza, sem alguma vez terem visto um desfile ou uma exibição em tempo algum.

Telefonaram-me e assisti à revolta, ao ajuntamento que, em sinal de protesto, os marchantes se reuniram nas nossas instalações.Tentei apaziguar as mágoas, a dor intensa que sentiam, fiz os possíveis para não fazerem comparações com os outros, mas a revolta, a frustação, abalou o coração daquela gente.

Isto não é festa.

Todos sabem que estou com eles. Eu sei que fomos injustiçados. BENFICA apresentou uma verdadeira Marcha, que representou a tradição do Bairro, como determina o regulamento. Se voltarmos às Marchas e se de mim depender vou borrifar-me para o Regulamento e apresentar uma Marcha de Fidalgos, de gente fina, de gente do alto. Que se lixe a tradição.


Domingos Estanislau"





domingo, 13 de junho de 2010

Santo António nas Vilas




No âmbito da constante divulgação e chamada de atenção para a questão da Vila Ana e da Vila Ventura, através da dinamização de iniciativas interessantes/simpáticas mensais que nos ajudem a colocar as Vilas na "agenda do dia" da população em geral (*);



Fotografia de Alexandra Carvalho



O Movimento de Cidadãos pela preservação da Vila Ana e da Vila Ventura assinalou hoje o Dia de Santo António com a colocação de 46 cravos-origami nas Vilas.



Fotografia de Alexandra Carvalho



Em cada um desses cravos (que, tradicionalmente, acompanham os manjericos), no local destinado à simbólica quadra desta época festiva, encontravam-se inscritas as frases e comentários que algumas pessoas que têm assinado a nossa Petição nos têm deixado.

Esta iniciativa teve como objectivo a valorização e divulgação das muitas vozes que têm apoiado online esta nossa Causa, agradecendo-lhes, assim, desta forma singela.



Fotografia de Alexandra Carvalho



Vídeo da iniciativa.


Folheto deixado no local.







(*) Em Abril, realizámos a "Arruada pelas Vilas"; em Maio, o "Dia dos Vizinhos nas Vilas".






sábado, 12 de junho de 2010

O 25 de Abril e a RTP (I)





Todos os direitos reservados @ Fausto Castelhano, "Retalhos de Bem-Fica" (2010)




(ou quando o Movimento das Forças Armadas se esqueceu de “conquistar” o Centro Emissor de Monsanto…)


por Fausto Castelhano



"Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo"


Sophia de Mello Breyner Andresen





Capítulo 1


O silêncio perturbador da RTP no 25 de Abril de 1974



Comemorou-se mais um aniversário da chamada “Revolução dos Cravos”, o movimento libertador do povo português que liquidou, sem apelo nem agravo, um regime anacrónico e autocrático gerado e malparido pelo pronunciamento militar do 28 de Maio de 1926.



O romper da aurora na Serra de Monsanto.
(Foto de Fausto Castelhano obtida do terraço do edifício do Centro Emissor de Monsanto)



Passados que foram 36 anos da data histórica do 25 de Abril de 1974 e, depois de assentar a densa poeirada de muitos e variados equívocos que pairaram em torno do que se teria passado, nesse mesmo dia, no Centro Emissor de Monsanto, sito no Parque Florestal de Monsanto, Freguesia de Benfica, é tempo de alinhavar algumas considerações a propósito desta premente questão, nunca devidamente esclarecida com a seriedade que o assunto mereceria…
Isto é, acertar contas duvidosas, algo atrasadas, amarrar algumas pontas soltas que continuam a balançar ao capricho dos ventos das mais desencontradas conveniências ou quadrantes e colocar, no devido lugar, alguns pontinhos nos “is” no prolixo “patuá” que teima, propositadamente ou não, a proliferar por terrenos férteis aos seus obscuros intentos e onde, sem rebuço, consiga medrar “à cabralina”…
Ou seja, desenvolvendo exacerbados esforços por manter-se “à tona”, a expensas dos mais ingénuos ou distraídos que, na sua boa fé, se vão deixando embalar e levar pelo engodo do mundo da fantasia que, bastas vezes e aos poucos, se vai amalgamando com a verdadeira realidade…
Assim, aproveitando a oportunidade dos tradicionais festejos do Movimento dos Capitães, inolvidáveis acontecimentos que alteraram, profundamente, a sociedade portuguesa, e após as “discursatas” de circunstância (quantas delas ornadas de refinada e contumaz demagogia) e das manifestações de rua que procuram, abnegadamente, evitar que os cravos vermelhos murchem de vez, vamos tentar descascar tão antigo e insustentável imbróglio repudiando, desde já, subterfúgios ou meias tintas, por quem viveu, ansiosamente, esses fascinantes tempos atascado, até aos gasganetes, numa verdadeira embrulhada (por mor dos pecadilhos que carrego na consciência) mas lá, exactamente em “su sítio”: o Centro Emissor de Monsanto…



A torre metálica do Centro Emissor de Monsanto já fazia parte da paisagem do Parque Florestal de Monsanto. A velha torre (80 metros de altura a que foram acrescidos, 20 metros com o chamado “palito” superior dos painéis de emissão de UHF do 2º Programa) sustentava as antenas de emissão do 1º Programa, (canal 7) e do 2º Programa canal 25), além doutros equipamentos (Parábolas, Receptores e Emissores de Feixes Hertzianos - Fixos e Móveis).
(Foto de Fausto Castelhano)



Estou absolutamente convicto de que este tema será de suma importância para a compreensão séria e fidedigna dos factos ocorridos nesse dia inesquecível, por 3 ordens de razões:
1 - O Centro Emissor de Monsanto está localizado na nossa Freguesia de Benfica, na Estrada da Belavista, Parque Florestal de Monsanto;
2 - Dois dos técnicos que viveram, intensamente, as peripécias do dia 25 de Abril de 1974 (por força do seu Horário de Trabalho), encontravam-se no interior das próprias instalações da RTP de Monsanto mas, outrossim, moravam na nossa Freguesia de Benfica;
3 - Nos colóquios sobre o 25 de Abril e, sempre que se tentava levantar uma pontinha do véu sobre esta matéria, raramente se obtinha qualquer resposta de coração aberto ou, então e o mais das vezes, assobiava-se para o lado, fechavam-se em copas e cerravam a matraca… O assunto escaldava e fugiam dele como o “diabo da cruz”… A atitude, provavelmente, não seria inocente, segundo a minha leitura que, ao cabo e ao resto, não andará longe da verdade histórica. Decididamente, algum pormenor de relevante transcendência teria escapado no plano das operações militares do MFA (1). Estafado enigma que urge esclarecer… sem mais preâmbulos…
Desta feita, convido os nossos amigos a rememorar todos os momentos desse longo e exaltante dia (quando a tropa armada saiu dos quartéis e o generoso povoléu, louco de entusiasmo e sedento de liberdade, irrompeu pelas ruas e alamedas do país) e onde, cumprindo o seu influente papel informativo (cala-te boca! Também desinformam e omitem, indecentemente, se lhes convém…), o Rádio Clube Português (a Emissora da Liberdade) e, a esparsos, a Emissora Nacional, nos iam dando a conhecer, passo a passo, as manobras militares (e não só) que se iam operando no território nacional…Façam um pequenino esforço de memória, não se acanhem e digam lá: “Que outro facto singular e muito estranho vos chamou, a especial atenção, precisamente nesse dia?”



A torre metálica do Centro Emissor de Monsanto. Além das antenas de emissão do 1º Programa, (canal 7) e do 2º Programa canal 25) colocadas no topo, sustentava as parábolas dos Feixes Hertzianos (emissão e recepção) para Norte (Montejunto); para Sul, com ligação à Eurovisão (Serra Alta, Mendro); Estúdios do Lumiar, além doutras. Nos chamados Programas de Exteriores, as parábolas de recepção eram colocadas, ou no terraço do próprio edifício ou, então, nas plataformas (a várias alturas) da própria torre.
(Foto de Mário Alves e retocada por Mike)



Óptimo! Estava na cara e acertaram, logo à primeira…na “mouche”! Claro, isso mesmo…O silêncio ensurdecedor das emissões da Radiotelevisão Portuguesa…Nem mais!
É esta espinha dilacerante que, desde então, continua profundamente encravada nas minhas goelas e me apoquenta dia e noite…As esperanças foram-se diluindo, pouco a pouco e, já tinha imaginado que um dia, mais cedo ou mais tarde (é a Lei da Vida), quando embarcasse na barca que me conduzirá, vogando pelo espaço sideral até ao Além, a espinha, a velha e maldita espinha me iria acompanhar até ao fim dos Tempos…
Até que…
Recentemente, um amigalhaço de longa data largou-me, nos gadanhos, um conjunto de 6 CD intitulados “Os cravos da Rádio – Histórias de um certo Abril – Edição da TSF/Rádio Notícias”
Porém, teve o especial cuidado de me segredar ao ouvido:
Põe-te “a fancos”, pá! Vais cair p’ró lado quando ouvires o que aí está documentado sobre o Emissor de Monsanto…"
O caso prometia… Até que enfim! Alguma coisa saltava cá p’ra fora…Que láparo graúdo iria sair da cartola?
Na Ficha Técnica, uma mão cheia de nomes altamente sonantes entre Editores de Antena, Jornalistas, Técnicos, etc. Uma farturaça de cavalheiros “granjolas”…Gente de alto gabarito, isenta até à medula, fazedores de opinião, impoluta, acima de qualquer suspeita… O costume a que nos habituaram no seu paleio p’ra adormecer boi, claro está!



Outro aspecto da torre metálica de emissão
(Foto de Mário Alves)



Uma mórbida curiosidade assaltou-me e, à cautela, não fosse o demo tecê-las, enfiei as luvas e segurei o dito material com pinças, recostei-me confortavelmente no sofá e vai daí, sem tugir nem mugir e imerso num nervoso miudinho, preparei-me para digerir a insigne gravação…
Efectivamente, no início do 3º CD lá estavam, em amena e cordial cavaqueira, João Paulo Menezes, Carlos Vaz Marques, o historiador António Reis (figura pública sobejamente conhecida e que participou na ocupação dos estúdios do Lumiar integrado na força militar da EPAM (Escola Prática de Administração Militar) (2) e, ainda, vejam só, repescaram o famigerado capitão Eduardo Alarcão (de que falaremos mais tarde), elemento proeminente do Serviço de Segurança da RTP…
Efectivamente, os autores de tão badalada e criteriosa publicação estão de parabéns… Estou convencido e à luz da realidade presente, que o naipe de personagens seleccionadas foi acertadíssima… Quase que garanto, singelo contra dobrado que, as distintas figuras mencionadas, jamais transpuseram os portões do Centro Emissor de Monsanto ou deitaram uma simples olhadela à cor do próprio emissor… E, sobre técnicas de transmissão de sinais televisivos, estamos entendidos! Dominam tanto essa área específica (admito que é um bocado complicada, requer estudo apurado e persistente, longa experiência, traquejo em alto grau, rapidez de raciocínio, agilidade de mãos, olho clínico, actualização constante, é certo e sabido) como eu percebo da moderna cultura da genuína minhoca sarapintada…



Equipamento dos Feixes Hertzianos TM 110 utilizado nas transmissões de exteriores.
(Foto de Fausto Castelhano)



Palavrosos, falaram pelos cotovelos, debitaram a torto e a direito e teceram considerações sobre tudo e sobre nada, em 2ª ou 3ª mão (e quem conta um conto, acrescenta, logo, outro), opinaram e analisaram tintim por tintim, o que teria ocorrido de absurda anormalidade nas instalações do Centro Emissor de Monsanto… Desta feita, para quem nunca penetrou no recinto (à excepção do petulante capitão Eduardo Alarcão), é obra muitíssimo asseada e digna de todos os encómios…
Mas, às tantas, e daqui endereço uma saudação calorosa ao jornalista pela ousadia de tal atrevimento (que não tenho o grato prazer de conhecer) surge, de supetão e intercalada no animado bate-papo onde imperava o surrealismo, a óbvia e sacramental pergunta que tanto desespero e mal-estar me causava pela infinita demora de tantos e tantos anos: "Então porque é que as tropas do MFA não ocuparam o Emissor de Monsanto?"
A resposta (de António Reis) foi, simplesmente, extraordinária:
"Por esquecimento do comando!"
Louvado seja Deus… Que despautério… De antemão, estava alertado para uma qualquer paleta de emoções fortes mas, mesmo assim, fiquei estarrecido, chocado com tamanha e arrasadora barbaridade e… temi pela minha saúde…
Não obstante, é assim e as coisas são como são! E aqui, calha que nem ginjas, bem se pode aplicar e com toda a pertinência, o aforismo: “Cada qual tira as medidas conforme a fatiota que pretende envergar”… Nada mais!
E eu, ignoto cidadão deste rectangulozinho minorca esparramado sobre o Atlântico, humildemente, pergunto: Então, e a minuciosa planificação das operações de campo do MFA? E o responsável pelas comunicações militares (ao tempo, o tenente-coronel Garcia dos Santos? Se, na verdade, existiam alvos estratégicos a proteger pela tropa sublevada, o Emissor de Monsanto seria, sem pestanejar, altamente prioritário e com carácter de suprema urgência… Meus senhores, local de primeiríssima ordem no controlo da totalidade das emissões televisivas… O coração, as principais artérias e suas ramificações estavam ali… às escâncaras…
Mentalmente trepei ao terraço do edifício e ao 2º piso da antiga torre metálica do Emissor… Relanço a vista ao redor e… observo o panorama. A 100 metros, o Quartel dos nossos vizinhos do GDACI, da Força Aérea Portuguesa e, um pouco mais acima na direcção da Cadeia de Monsanto, a Estação Rádio Naval da Marinha de Guerra Portuguesa; a norte, o Quartel de Engenharia 1, da Pontinha; na Calçada da Ajuda, os Quartéis da Polícia Militar e de Lanceiros 2; na Amadora, o Quartel dos Comandos; em Queluz, o Quartel do RIOQ (Regimento de Infantaria Operacional) e ainda, a um “salto de gato”, o Regimento de Infantaria 1, o Regimento de Artilharia Ligeira 1 (RAL1), o Regimento de Artilharia Antiaérea Fixa (RAAF), etc. etc.



Centro Emissor de Monsanto – Mesa de Comando no interior da Sala dos Emissores – João Vale (Feixes Hertzianos), Oliveiros Lopes Gervásio e Fausto Castelhano, de pé, do Departamento de Emissores.
(Foto de Fausto Castelhano)



Reparem bem e meditem… Tropa à “fartazana” p’ra “conquistar”, tranquilamente e d’um só golpe, o Centro Emissor de Monsanto e arrumar quatro simplórios guardas da GNR e dois “acagaçados” oficiais às ordens do decrépito e safado regime de 48 anos colocando, num ápice, tudo na ordem! Mais fácil que catrafilar pardais, à ratoeira e formiga d’asa… Só visto e… não dá p’ra entender…
A tese de esquecimento não tem ponta por onde se lhe pegue e ninguém, de bom senso, engole tão manifesta patranha! Ademais, por mais que me desunhe, a estrambótica resposta (apesar de denodados esforços) não me entra no bestunto… nem à cacetada! O motivo teria sido (se entrementes, não for descortinado outro de manifesta evidência), provavelmente, muito mais comezinho… A pura ignorância de como funciona a complexa e sublime maquinaria que irradia, em todos os azimutes, as ondas electromagnéticas de VHF e UHF e, trespassando o éter à velocidade de 300.000 Km/s, enfia-se pela casa d’entro de um qualquer cidadão luso e pespega, os bonequinhos a mexer e a fazer caretas, nas tais caixinhas mágicas que, dizem, revolucionou o mundo: os receptores de televisão…
Mas, não! À molhada, os militares do MFA arrancaram às 03:00 da madrugada e foram todos, de carreirinha, atropelando-se uns aos outros, p’rá montra… A montra das vaidades, perdão, os Estúdios do Lumiar que, só por si, não valiam nada… Foi, verdadeiramente, um espectacular tiro chocho… de pólvora seca!
E, no entanto, na catacumbas da garagem do próprio Centro Emissor de Monsanto lá estava, assolapado e gozando “à brava” com o pagode, rindo-se a bandeiras despregadas, um pequenino e mal-enjorcado estúdio de recurso, montado e prontinho a funcionar em pleno o qual, dava e sobejava p’rás encomendas: mesa e duas cadeiras, tripé p’rá câmara, microfones, pano de cenário vermelho escuro, cabos de interligação a todo o sistema de Feixes Hertzianos, Emissores e Retransmissores de todo o país, ligação à Eurovisão e à Estação de Satélites da Rádio Marconi (em Alfouvar), etc.
Receio do valente TOP, o cão-maravilha e guardião incontestável da fortaleza… ou “os artistas” estariam demasiado longe dos holofotes da ribalta onde, a contento, brilhassem em todo o seu esplendor? Fica a pergunta no ar…
Inteligentes quiçá, astutos, os rapazolas do consulado presidido por Marcelo Caetano (filhotes dilectos do “Manholas” de Santa Comba Dão) sabiam-na toda e, uns meses antes, prevendo um eventual percalço (o reboliço pressentia-se à légua e, mosquitos por cordas, turvando a atmosfera, eram mato!), instalaram todo o esquema necessário numa tal emergência afinal, sempre presente no horizonte já um tanto turvado e ameaçando borrasca da grossa…Uns espertalhões de primeira plana!
Na verdade, tratava-se d’um palco modesto, sem espavento e arredio a espectáculos cintilantes, mas perfeitamente operacional p’ró que desse e viesse… E foi assim, empanzinadas de ilimitada esperteza e auto-suficiência que as Forças Armadas do MFA despejaram, pela borda fora, uma oportunidade de ouro de altíssimo quilate, privando o planeta Terra de assistir à transmissão, em directo, a todo o desenrolar da Revolução dos Cravos…
E aqui está, meus caros amigos, a justificação do subtítulo do texto: “Ou quando o MFA se esqueceu de “conquistar” o Centro Emissor de Monsanto”… E esta menção não está ali “prantada” ao sabor de qualquer irreverência ou mera provocação, p’ra longe vá o agouro!
Dissecar, ponto a ponto, sem punhos de renda e o mais fielmente possível, socorrendo-me do meu imaginário, de anotações avulsas depositadas nos fundos da velha arca e do relatório (pessoalmente elaborado na altura destes factos), é o objectivo primordial desta iniciativa em prol, claro está, da verdade a que todos temos direito…
Vamos, então, regressar à inesquecível quarta-feira do dia 25 de Abril e, remexendo nos escaninhos da memória relatar o desbobinar do filme acontecido nesses tempos fantásticos e que nos parecem já, tão longínquos sobrepondo, sempre, a extrema exactidão, a veracidade e o rigor histórico… E, em primeira mão e com o condão de oferecer algum colorido ao texto, afoitei-me a inserir documentação interessante e algumas fotos inéditas do Centro Emissor de Monsanto, das Salas dos Emissores e dos Feixes Hertzianos, etc.



NOTAS


(1)


A ocupação dos Estúdios da RTP

Conforme é referido no livro Alvorada em Abril, de Otelo Saraiva de Carvalho, a RTP foi dos primeiros objectivos a serem conquistados, precisamente, à hora determinada na Ordem de Operações das Forças do "MFA".
“Procedeu-se ao posicionamento das tropas de ocupação em locais adequados à defesa imediata dos Estúdios da RTP. Embora o armamento pesado estivesse inoperacional, por não ter sido municiado em conformidade, (…) [verificou-se, já na cena das operações que, aquando da tomada da EPAM as munições escolhidas não correspondiam às armas transportadas], foi instalado como se estivesse operacional. Com as respectivas caixas de munições ao lado, em locais visíveis, permitia, no mínimo, obter o efeito dissuasor.
O Posto de Comando foi estabelecido no gabinete do então Director da Informação, José Mensurado, por ter uma localização mais central. Por fim, forneceu-se uma informação sumária aos militares sobre os objectivos da missão, evidenciando as restrições quanto à utilização do armamento que lhes estava distribuído.
Obtido o sucesso da operação militar "MÓNACO", e cumprida a missão, estabelecida na Ordem de Operações do "MFA", da EPAM, havia que dar continuidade à missão deduzida, de forma a assegurar os seus fins últimos, ou seja disponibilizar a emissão de TV para todo o país ao serviço do "MFA". Tal, deveria acontecer, no mínimo, a partir das 12h00 (hora habitual do início das emissões de TV) do dia 25 Abril 1974.
Conseguidos os meios técnicos mínimos e pressupondo-se o sucesso das operações militares concorrentes de ocupação das antenas de Monsanto e da Lousã, bem como dos estúdios do Monte da Virgem (Porto), importava atingir a segunda parte do objectivo "MÓNACO", isto é, colocar a "mira" no ar de 26Abr74 e iniciar a emissão de TV ao serviço do "MFA". Tal, só veio a ser, efectivamente, conseguido cerca das 19h00, fundamentalmente, por falta de controlo das antenas de Monsanto que, contrariamente às informações prestadas e confirmadas pelo Posto de Comando, não se encontravam dominadas por forças amigas”.

Observação: Teatro de Guerra sem munições? Esta, não lembra o diabo!


(2)

O destacamento da EPAM que ocupou os Estúdios da RTP

25 de Abril de 1974 – Um destacamento da EPAM, comandada pelo capitão Teófilo da Silva Bento, coadjuvado pelos tenentes Santos Silva, Matos Borges e Cerdeira, os alferes Manuel Geraldes e Martins, aspirante miliciano António Reis e furriel miliciano Rosado, ocupa os estúdios do Lumiar da Rádio Televisão Portuguesa (RTP), às 03:00 horas.
25 de Abril de 1974 – Início do cumprimento das missões militares, às 3 horas, de acordo com o “Plano Geral das Operações”.
(in “Abril de novo 25 de Abril – dia da liberdade Jofre Alves)


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Continua…