sexta-feira, 17 de setembro de 2010

"Que Deus te Guie"

Por Jorge Marques da Pastora

(Boletim do Clube nº 9 de 1989)



Conta a lenda que certo dia viajava o Rei a caminho de Sintra, onde ia repousar dos seus reais afazeres.

Nesse tempo, o caminho de Lisboa para Sintra, fazia-se por Carnide, Poço do Chão e Porcalhota – hoje Amadora.

Da comitiva fazia parte uma linda aia da Rainha, que pela sua beleza, merecia os favores do Monarca.

Ao chegar ao lugar onde hoje é Benfica, a comitiva parou a retemperar forças para a caminhada do dia seguinte. Mas com surpresa de todos, já ao anoitecer, apareceu a Rainha acompanhada do seu séquito, que vinha juntar-se ao grupo, e assim, dificultar os planos do seu real esposo e senhor.

Na manhã seguinte, antes da partida, debatia-se o rei com o dilema de levar consigo a linda aia ou deixá-la ficar, quando o seu criado particular abeirando-se dele, muito respeitosamente lhe perguntou: “Então real majestade, a sua aia vai ou fica?”. O rei, exitante, depois de longa reflexão, disse em voz pausada: "BEM … FICA".

E desta maneira teria nascido: Primeiro Bem-fica, depois Bemfica e só mais tarde cedendo às exigências da ortografia, Benfica.

Este lugar, segundo rezam as crónicas, já antes de 1250 era conhecido e pertencia à Freguesia de Belém. Foi o terramoto de 1755, que em Benfica apenas matou duas pessoas, que veio proporcionar o seu desenvolvimento. É que nobres e homens de negócios, que até então aqui tinham as suas moradias de veraneio, aqui se instalaram definitivamente, onde o ambiente era selecto e a convivência distinta.

Com as suas casas senhoriais, frondosos jardins e mais tarde com um hotel (que teria sido o edifício ainda de pé na Estrada de Benfica, 701?), Benfica foi, uma estância de veraneio ao modo antigo, onde afluíam as melhores famílias da sociedade, quando o tempo que a separava de Lisboa, se fazia em duas horas, de trem ou a cavalo.

Mais tarde, já no tempo da República, ainda Benfica como senhora nobre, já velhinha, recebia com fidalguia, intelectuais e artistas, que nas suas carruagens vinham pela calada da noite, fazer serões a casas que ficaram célebres como as Pedralvas, o Charquinho ou o Ferro de Engomar.

Também o povo alfacinha não dispensava o passeio domingueiro para estas bandas, acompanhado do farnel para os piqueniques, nas hortas ou nas quintas, à beira de fontes de água límpida. Ali se dançava ao som do harmónio e se ouvia cantar o fado.

Mas Benfica também muito cedo aderiu ao movimento desportivo, pois a fundação do seu primeiro grupo (o "Desportos de Bemfica") teria sido antes de 1895. Este grupo com uma organização ainda incipiente, deu origem a outros de vida efémera, da qual, pela sua coesão se destacou o Sport Bemfica. Foi da fusão deste clube com o Sport Lisboa, que resultou o Sport Lisboa e Benfica. Quando este abandonou o Bairro a que ligou o seu nome, as gentes de Benfica ciosas dos seus pergaminhos, inconformados com o facto de não haver um clube no seu burgo, logo fundaram o Grupo Futebol Benfica, que em 1924 suspendeu a sua actividade, porque a A.F.L. reprovou o seu campo de jogos. O povo de Benfica não desistiu. Assim, em nova arrancada, por vontade indómita dum grupo de paroquianos deste bairro, com o apoio do comércio, da Igreja e da Junta de Freguesia, concretizou o sonho que sempre lhe foi querido, de ter um Clube, legitimamente representante da sua freguesia e fundou em 1933 o Clube Futebol Benfica.

Entretanto, no dia da inauguração do primeiro campo de jogos, reunidos os melhores homens de Benfica, os representantes da Junta de Freguesia e o bom padre Francisco, enquanto um dos oradores usava da palavra para assinalar o acontecimento, por entre palmas e vivas, foi lançado um enorme balão encarnado e preto com a seguinte legenda: "Que Deus te Guie".






3 comentários:

Fausto disse...

Amigos
Já agora, uma paquena achega:
O trajecto de Carnide para a Porcalhota processava-se do seguinte modo:
a) Carnide, Estrada da Correia, Estrada da Circunvalação (ou Estrada Militar) e, depois de passar pelo muro das traseiras do Cemitério de Benfica, virar à direita pela Estrada dos Salgados até à Falagueira e Porcalhota. Daí p'rá frente, apanhava-se a Estrada Real (ou Rua Elias Garcia)

b)Pela Estrada do Poço do Chão, Estrada dos Arneiros e após passar frente aos portões de entrada do Cemitério de Benfica, virar à direita para a Estrada dos Salgados. Mais um pedaço, chegava-se à Falagueira e Porcalhota. depois, seguia-se o trajecto anterior.

c)Quem vinha de Lisboa, o trajecto era sempre a direito pela Estrada Real (Estrada de Benfica, Portas de Benfica, Rua Elias Garcia e, depois, sempre em frente...

Com amizade

Fausto Castelhano

Fausto disse...

Pequenos pormenores

Efectivamente, o edifício com o nº701, foi o Hotel Mafra que aí esteve instalado desde os finais do século XIX. Posteriormente, foi o Laboratório Nacional de Patologia Veterinária e, uns anos depois do 25 de Abril de 1974, passou a ser designado por Laboratório Nacional de Investigação Veterinária.
Quanto aos Retiros onde se cantava o fado, o Charquinho levava a palma a todos eles. Perto, localizava-se o famoso Caliça no início da Estrada dos Salgados, do lado esquerdo e logo que se atravessava a Estrada Militar (ou da Circunvalação) ou seja, já fora de portas (de Lisboa).

Com amizade
Fausto castelhano

Fausto disse...

Um pequenino pormenor a juntar ao excelente trabalho publicdo. O bom Padre Francisco (houve vários com o mesmo nome próprio) e reportando-nos à data mencionada no texto, só poderia ser o Padre Francisco Maria da Silva que presidiu aos destinos da Paróquia de Nossa Senhora do Amparo de Benfica entre os anos de 1922 a 1934.

Um abraço amigo
Fausto Castelhano
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