(Capítulo 2)
Por Fausto Castelhano
A pausa terminou! Aprontemo-nos, há muito caminho a palmilhar. Para já, seguimos rentes ao gradeamento em ferro do estupendo
palacete do Visconde Sanches de Baena, cuja demolição foi, com efeito, um violento atentado ao património histórico da Freguesia de Benfica. Logo à frente, mais ou menos a meio do trajecto que dista entre o final deste edifício e a esquina da Avenida Gomes Pereira, encontramos o prédio da Junta de Freguesia de Benfica, já arrasado e substituído por mais um prédio inestético, tipo gaiola. No 1º andar, após subir as escuras escadas de madeira e se chegava ao patamar do velho edifício, á direita, lá estava o local da Junta de Freguesia e onde a solícita funcionária atendia os cidadãos, espreitando pelo postigo inserido na respectiva porta. Muito castiço…
Avenida Gomes Pereira, nº 2, gaveto com a Estrada de Benfica. Do outro lado da Avenida, a cervejaria/restaurante “O Edmundo” que ocupou o espaço d’uma das mais reputadas mercearias da nossa Freguesia.
(Foto de Nuno Barros Roque da Silveira - 1972 - Arquivo Municipal de Lisboa)
No rés-do-chão, a cervejaria/restaurante “A Regional de Benfica” a qual, bastantes anos depois, seria rebaptizada: “O Refúgio dos Beirões”. Estabelecimento mais recente e, embora não reunisse as tão peculiares características do género de locais que estamos a abordar, volta e meia, assentávamos arraiais por aquelas bandas beberricando umas cervejolas fresquinhas. Numa salinha interior ajeitada para o efeito, duas mesas de “Negus”, um estimulante atractivo que enchia os nossos momentos de entretenimento…
Contudo, a principal razão que nos levou a frequentar “A Regional de Benfica”, assiduamente e numa época bastante precisa, teria sido a famigerada Gripe Asiática que desembarcou em Lisboa a 9 de Agosto de 1957 a bordo dum navio vindo de África e que, mal desceu pelo portaló e botou os chispes em terra lusa atacou, furiosamente e a eito, a desprevenida população portuguesa, causando inúmeras vítimas, à semelhança de estragos arrasadores noticiados noutros lugares do planeta onde, e “à má fila”, arribou sem cerimónias…
Então, o porquê da “Regional de Benfica”? Ora, só ali obtínhamos os ingredientes necessários (pela variedade de escolha) na composição da vacina milagrosa na esperança, claro está, de nos protegermos, face à latente e grave ameaça do mortífero vírus da tal gripalhada. Nem mais!
Sim, senhor! As famosas e tão badaladas “Atómicas” que obtiveram estrondoso brado pelas redondezas, vacina artesanal de suprema eficácia contra a moléstia maligna, oportuna e genial invenção do grande amigalhaço e vizinho Manecas (1), mercê d’um irrepetível rasgo de discernimento mental! Manecas, serralheiro mecânico de profissão na Fábrica Simões, sempre com alguns trocos nos bolsos e que repartia, irmãmente, com os companheiros de aventuras, era o mais velho e o cabecilha incontestado do endiabrado e solidário grupo de jovens, ao qual tive a felicidade de pertencer… Rapaziada soberba e predisposta a encetar uma qualquer malfeitoria que lhes cintilasse nas fervilhantes cachimónias!
O prédio de gaveto da Estrada de Benfica com a Avenida Gomes Pereira, nº 2. Já foi loja de modas e pronto-a-vestir de senhoras e cavalheiros. Actualmente, é uma dependência do BBVA - Banco Bilbao e Viscaya Argentaria, S.A.
(Foto de Fausto Castelhano - Outubro de 2010)
Então, aí vai a explosiva receita (é uma atenção especial p’rós meus amigos, é de borla, os tempos estão beras como o caraças, mas eu sou assim… um mãos largas p’ró meu semelhante) e o modo do seu preparo, no caso d’uma próxima e favorável ocasião (Chiça! P’ra longe vá o agoiro!), se o temível surto gripal da Asiática pregar uma sádica partidinha e nos visitar de novo no intuito declarado de aterrorizar a maralha até ao tutano! Tomem nota: uma “imperial” bem fresquinha, misturar três das chamadas bebidas brancas fortes, à escolha do freguês ou então, atendendo a uma qualquer sugestão do parceiro do lado (anis, ginjinha, bagaço, vinho do Porto, abafado, gim, brandy e o que mais houvera, à vista, nas prateleiras). Emborcar o medicamento pelas goelas abaixo d’uma só vez e repetir a dose de três em três dias, pelo menos…
Era assim! Engolíamos a diabólica mistela de chapuz a qual, requeria coragem a rodos e estômagos de ferro… A sensação de violento ardor tornava-se patente, brutal, porém havia que aguentar a estopada de cara alegre, ninguém dava parte de fraco, sabe Deus com que extrema relutância… Pior, só óleo de rícino! Muito boa gente da Freguesia de Benfica, atemorizada pela fatal moléstia, seguiu o nosso exemplo e desataram a ingerir o prodigioso remédio… Será que se safaram? Acho que sim, nem outra cousa seria de esperar!
Durante algum tempo, o extravagante tratamento foi seguido à risca sem ninguém pestanejar e, coincidência ou não, o certo é que a rapaziada jamais foi acometida pela funesta epidemia, enquanto uns milhares de infectados iam caindo como tordos! O supremo sacrifício, que o Divino Espírito Santo seja louvado, valeu bem a pena!
A inauguração em 23 de Agosto de 1967 da Avenida do Uruguai: o Presidente da Câmara Municipal, António Vitorino França Borges, o Cônsul do Uruguai em Portugal, o Vice-presidente da Câmara Municipal, Aníbal David, o Director dos Serviços de Abastecimento da Câmara, Filipe Romeiras, etc.
(Foto de João Brites Geraldes - 23 de Agosto de 1967 - Arquivo Municipal de Lisboa)
Mas, hoje e cá p’ró rapaz, estou convencido de que se tratou de uma sábia maluquice, um feliz desarrincanço, semelhante a tantos outros e que, volta meia, nos surgia como forte relâmpago nos interfolhos das massas encefálicas. O problema, é que todos amocharam, ai daquele que ousasse contestar a ideia e… pronto! As “Atómicas”cumpriram o seu desígnio, vieram p’ra ficar… e recomendam-se…
O prédio de gaveto da Estrada de Benfica, nº567 com a Avenida Gomes Pereira, nº 1. No espaço, hoje ocupado pelo restaurante/cervejaria “Edmundo” existiu, em tempos que já lá vão, uma reputadíssima mercearia.
(Foto de Fausto Castelhano - Outubro de 2010)
Por agora, chega de palheta, vamos dar ao pernil um pouquinho… Olha, lá está a pequena mercearia do Sr. Mané-Mané… Aproveito e compro uns rebuçaditos dos jogadores do chamado desporto-rei, a tostão cada! Ao lado da caixa de lata dos rebuçados, o chamariz desafiante: a bola de catechu nº 4, o prémio p’ró mais difícil da colecção… E o tal que faltava p’ra completar a caderneta, acabava por sair à casa… O habitual e jamais houve notícia de que alguém tivesse a alegria de afinfar uns valentes chutos na chincha que todos cobiçávamos…
Piões e berlindes, cadernos de uma e duas linhas, tabuadas e lápis, lousas e aparos, etc. A tenda do velho Mané-Mané, vendia tudo aquilo que nos enchia as medidas…
Daqui, damos uns passitos e cá estamos no cruzamento da Avenida Gomes Pereira. A 21 de Maio de 1899 e nos terrenos pertencentes da Quinta do Marrocos, iniciaram-se os trabalhos da construção desta importante via entre a Estação dos Caminhos-de-Ferro e a Estrada de Benfica, num projecto elaborado pela Câmara Municipal de Lisboa.
A Avenida do Uruguai, que prolongaria a Avenida Gomes Pereira, ainda não rasgara, de alto a baixo, a Quinta da Granja de Cima… Mais tarde, sim!
Lá está o café/cervejaria e a respectiva esplanada na Estrada de Benfica, nº 524. Actualmente, o local tomou o nome de restaurante/marisqueira “A Roda”. O prédio, mais tarde, iria formar gaveto com a Avenida do Uruguai depois da inauguração em 23/8/1967.
(Foto de Artur Inácio Bastos - 1961 - Arquivo Municipal de Lisboa)
O influente lobby da construção civil, imbuída de insaciável ganância, não perdeu tempo e aproveitou, de mão beijada, a oportunidade que se lhe deparou… Retalhou, a seu belo talante, o mimoso espaço rural que ali pontificava em todo o seu esplendor e era um regalo p’rós olhos... Tomando o freio nos dentes e cavalgando a toda a brida, o cimento armado iria desfigurar, de modo profundo e definitivo, a fisionomia da Freguesia de Benfica… As Quintas da Granja (de Cima e de Baixo) e do Conde; Charquinho (2) e Zé Brito; Bom-Nome ou Sarmento; Montalegre e Palmeiras e a sua extensa mata de eucaliptos e palmeiras, um dos pulmões da Freguesia; Pedralvas, etc. O mundo rural aproximava-se do fim!
A cervejaria/marisqueira “A Roda” no nº 524 da Estrada de Benfica. Neste local, existia um café/cervejaria (com uma outra designação) e, em pleno passeio, uma agradável esplanada.
(Foto de Fausto Castelhano - Outubro de 2010)
Esta via estruturante iria romper p’ra Norte, dando acesso fácil a Carnide, Pontinha, Telheiras, Lumiar, etc., uma vez que, tanto a Estrada do Poço do Chão, como a Azinhaga da Fonte, deixaram de corresponder ao excesso de tráfego que, entretanto, aumentara de modo significativo…
A Avenida do Uruguai, apenas seria solenemente inaugurada em 23 de Agosto de 1967 com a presença do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa de então, França Borges, o Cônsul do Uruguai em Portugal e uma panóplia de figurões do regime, além dos habituais mirones e basbaques com o fito indisfarçável d’um instante de glória das suas obscuras vidas: de relance, surgir nos écrans da televisão… Era o máximo que se poderia imaginar! Ah! Não olvidar as amestradas câmaras e microfones da RTP, subservientes do Poder instalado e, como é evidente, a reboque e sempre, sempre de cócoras! As tais fantochadas do costume! Não obstante, nada se modificou, ontem como hoje…
O bonito palacete na Estrada de Benfica, nº544. Neste edifício esteve instalado o Posto Médico nº15 da Caixa de Previdência e, depois do 25 de Abril de 1974, foi ocupado pela UDP - União Democrática Popular. Foi arrasado! Mais um!
(Foto de Armando Serôdio -1971 - Arquivo Municipal de Lisboa)
Espectáculos apalhaçados que se vão repetindo até ao vómito e sem ponta de escrúpulos dos seus mentores contudo, é o pão-nosso de cada dia, seja na inauguração de chafariz da aldeola do depauperado e desertificado interior do país ou sentina pública da cidade… É Portugal no seu melhor!
No prédio de gaveto da Avenida Gomes Pereira, nº 1, com a Estrada de Benfica, nº 567, o restaurante/cervejaria “Edmundo”. Já lá vão muitos e muitos anos e ali, naquele privilegiado espaço, uma reputadíssima mercearia se destacava na área comercial da nossa Freguesia.
Travessa do Açougue, nº4 a 10. A Travessa do Açougue e o curioso conjunto de habitações de um só piso, provavelmente destinadas ao operariado e que teriam sido construídas em 1913.
(Foto de Arnaldo Madureira 1970 - Arquivo Municipal de Lisboa)
Saltamos p’ró outro lado da Estrada de Benfica, ou seja, do lado da Avenida do Uruguai e, no prédio de gaveto, o talho/salsicharia (que já foi talho de carne de cavalo) e a cervejaria/marisqueira “A Roda”, no nº 524.
Nas décadas de 50/60 do século XX e com outra designação, neste local existia um óptimo café/cervejaria com a sua agradável esplanada em pleno passeio, como se pode observar na foto que é inserida no texto... No seu interior, assistia-se aos programas d’um novel atractivo e que se tornou, rapidamente e em força, no mais eficaz instrumento de manipulação do maralhal: a Televisão, através da recepção das ondas electromagnéticas emitidas pelo Centro Emissor de Monsanto da RTP…
Bebia-se bica ou cerveja, fumavam-se umas cigarradas e, mantendo um pouco de cavaqueira, matava-se o tempo nas calmarias, no relax, para descomprimir…
Agora, vamos caminhar no sentido da Igreja Paroquial, isto é, donde iniciámos o nosso percurso. Lá está o palacete no nº 544, onde funcionou o Posto nº 15 da Caixa de Previdência e onde, pós o 25 de Abril de 1974, a União Democrática Popular - UDP, um pequeno partido parido no auge da Revolução dos Cravos e que, entretanto e tal como muitos outros, se extinguiu de morte natural ou foi absorvido por outras forças políticas, resolveu ocupar e instalar a sua sede local… O vistoso palacete, como se calcula, foi à vida! Mais um…
Umas passadas adiante e já está: a Travessa do Açouque e, cara a cara, a Travessa do Rio e a taberna/carvoaria do Ti’Alfredo onde já estivemos…
Repare-se que, nos últimos anos da década de 50 do século XX e sobre o início da Travessa do Açougue, plantaram um mamarracho mal enjorcado, mas não respeitaram nada nem ninguém. A via foi cortada ao trânsito de veículos e apenas, por especial obséquio, deixaram um pequeno túnel de passagem pedonal. O maldito camartelo nem as ruas poupava. As portas e janelas dos moradores da Travessa do Açougue, nº1 e 3, ficaram encafuadas no interior do túnel… Vão lá ver e pasmem, que maravilha!
Travessa do Açougue, nº 7 e 9. O Sr. Arnaldo, o nosso padeiro e amigo de muitos anos, residia no 1º andar do nº 9.
(Foto de Arnaldo Madureira - 1970 - Arquivo Municipal de Lisboa)
Com a Calçada do Tojal, foi pior, muito pior! De bradar aos céus! A sorte madrasta bateu-lhe à porta, brutamente! Tamponaram, à falsa fé e drasticamente, o acesso directo à Estrada de Benfica que, desde os mais remotos tempos, sempre existiu! Afinal, é capaz de ser um pormenor sem a mínima importância, nós é que estamos a divagar com a mania de implicar por qualquer palheirinha. Mas, atentem, com olhinhos de ver, no abominável fenómeno, digno de registo!
Resta averiguar quem engendrou tais esquemas e manigâncias e quem autorizou a sua execução! Fica a pergunta!
Como se torna claríssimo, no valioso espaço do início da Calçado Tojal, enxertaram um feio mamarracho na Estrada de Benfica, nº664 e outro, de idêntica carantonha, sito na Rua Ernesto da Silva, nº17! Autêntica barbaridade de que a nossa Freguesia de Benfica é fértil, Graças a Deus ou ao Demo, já não atino… p’ra que lado me hei-de benzer… Estou baralhado!
Vamos penetrar no insólito túnel de alguns metros de extensão e deitar uma simples olhadela à Travessa do Açougue… ”Ena, pá! Parece um pátio em ponto grande!”… Por acaso, assim é… O conjunto de casas alinhadas e d’um só piso são, na verdade, algo curiosas e segundo voz corrente, teriam sido construídas em 1913 e destinavam-se à habitação do operariado da Freguesia de Benfica.
O prédio da Estrada de Benfica, nº 554. No nº 554A, a taberna do “Zé da Graça” e onde, presentemente, está instalada uma loja de produtos naturais: “O Celeiro da Memória”. A porta, à esquerda, dava acesso ao andar superior e a uma loja de referência: “Foto Nice”.
(Foto de Artur Goulart - 1960 - Arquivo Municipal de Lisboa)
No 1º andar do nº 9, residia o nosso padeiro, o Sr. Arnaldo, sempre prestável e com o qual mantínhamos uma relação de sincera amizade. Em 1948, um seu filho, pequenito, adoecera gravemente com a meningite. Fomos visitá-lo em sua casa… Prostrado, aplicavam-lhe sanguessugas sobre a fronte, as quais iam sendo revezadas à medida que inchavam de sangue do menino, sugado pela ventosa glutona dos repugnantes animaizinhos… Nada resultou e a infeliz criança esticou o pernil daí a dias… As sanguessugas, jamais as esqueci! Ao relembrar a sua visão, causa-me inesperados arrepios!
Cá está o prédio da Estrada de Benfica, nº 554. Aqui, na entrada do lado direito com o nº 554A, existia a taverna do “Zé da Graça”. Hoje, o local da taverna mudou de ramo. Actualmente, é uma loja de produtos naturais: “O Celeiro da Memória”. No 1º andar, estava instalada a “Foto Nice”.
(Foto de Fausto Castelhano - Setembro de 2010)
Fazendo quina com a Travessa do Açougue, o remodelado prédio da Estrada de Benfica, nº 554. No 1º andar, a célebre Foto Nice (já não existe, que pena!) e, na porta ao lado, nº 554A, a taberna do “Zé da Graça”, uma simpatia de pessoa e aonde os clientes não faltavam e nem se davam por defraudados p’rá vinhaça do barril e petiscos… Hoje, o antigo e mítico estabelecimento mudou de ramo: uma loja de produtos naturais, muito na moda: “O Celeiro da Memória”.
Por agora, ficamos por aqui… O esqueleto exige um pequeno descanso!
Continua…
NOTAS
(1)
O “Manecas"
O “Manecas” morava na Estrada dos Arneiros, nº 2. Vivia com a mãe, viúva, a D. Bernardina, e os tios, a D. Maria e o Sr. João e, ainda, o filho de ambos e nosso companheiro de façanhas, o Armando. O Henrique, irmão do Armando, aluno interno da Casa Pia, só tinha ordem de soltura aos fins-de-semana. O Sr. João, porteiro (um biscate) no
Cinema da Avenida Gomes Pereira, sede do Sport Lisboa e Benfica, como bom vizinho e amigo que era, se a lotação não esgotava deixava-nos entrar à borla… mas sempre com o olho atestado no pessoal…
A casa onde morava o “Manecas” na Estrada dos Arneiros, nº2, à esquerda; no nº2A, à direita, morava a família do Sr. Manuel Estrelado.
(Foto de João H. Goulart -1965 - Arquivo Municipal de Lisboa)
Dezembro de 1952 - Estrada dos Arneiros, nº2A, onde morava o Sr. Manuel Estrelado, a esposa e os dois filhos: o José da Conceição (faleceu em 1957, vítima de atropelamento no Calhariz de Benfica) e a Maria da Encarnação, com quem vim a casar e que faleceu em 1983. Na foto, o José e o avô materno.
(Foto de Fausto Castelhano)
“Manecas” entregou a alma ao Criador na década de 80 do Século XX. Espero, lá onde estiver, que continue a repartir pelos comparsas lá do sítio, as “bombinhas” e as “rabichas” dos Santos Populares que costumávamos atirar pelas janelas e a enfiar nas ranhuras das caixas do correio dos nossos vizinhos de Benfica…
(2)
A Quinta do Charquinho
A Quinta do Charquinho tinha entrada pelo nº 4 da Estrada dos Arneiros. No seu lugar e nos finais da década de 50 do século XX, foi edificado o Bairro do Charquinho e, parte do seu espaço, seria ocupado pelo Cemitério de Benfica aquando do seu alargamento.
Estrada dos Arneiros nº2 e 2A, 4 e 6, a contar da direita para a esquerda. Entre estas duas moradias, está o portão de entrada da Quinta do Charquinho.
(Foto de João H. Goulart -1965 - Arquivo Municipal de Lisboa)
Primavera de 1947 na Quinta do Charquinho - Da esquerda para a direita, em cima: as minhas duas irmãs, Helena e Manuela e entre as duas, o Manuel, namorado da Manuela; e os velhos amigos da família, o Sr. Ferreira e a esposa D. Felícia. Em baixo, mais três amigos e o Fausto. Vinham p’rós almoços de coelhos e galinhas de cabidela, regadoss com a excelente àgua-pé, a melhor das redondezas e fabricadas com uvas de grande qualidade da região de Torres Vedras. As uvas, de candonga, eram transportadas em camiões, de madrugada, contornando a Fiscalização Económica, muito severa.
(Foto de Fausto Castelhano)
Até ao final dos anos 40 do século XX existia, na Quinta do Charquinho, o mais prestigiado Retiro das chamadas “Freguesias do Termor” e onde comia e bebia do bom e do melhor e, claro, cantava-se o Fado em grande estilo com os mais conceituados fadistas da época.
Fadistas da Velha-guarda
Em tempos que já lá vão,
O fadista era gingão,
alcunhado de rufia...
De calça estreita e samarra,
Chapéu largo e uma guitarra
Era alguém na Mouraria
Gostava de ir ao Charquinho,
Aonde havia bom vinho
E fresca sardinha assada...
Outros mais para lá iam
E todos se divertiam
Em fados à desgarrada
Ia ao Ferro d’Engomar,
Muitas vezes petiscar,
Ou mesmo ao Senhor Roubado...
E sempre de farra em farra,
Entre mãos uma guitarra,
O corrido era seu fado.
Agora tudo mudou,
A Mouraria passou
Para a tela dos artistas...
No seu lugar uma praça,
Por onde o fado não passa,
Nem já lá param fadistas.
Agora já não há gingões
Quem canta, canta canções,
Direito, bem aprumado...
E a alcunha do fadista,
Passou a ser a de artista
Que ao swing, chama fado
Um apelo, agora, faço
Vai com ele o meu abraço
Para o fado que cobiço:
Que os novos que o palco tem,
Passem a cantar, também,
O nosso fado castiço.
Luciano Marques
A morte da última moradia dos velhos tempos…
Na moradia da Estrada dos Arneiros, nº 30, vivia o Sr. Rogério Cardoso, professor na Escola António Arroio, (faleceu em 2009) e família: a esposa, D. Beatriz, já falecida, e os quatro filhos, companheiros de andanças (Norberto, Paulo, Jorge e Orlando. Esta foi a última demolição ocorrida tanto na Estrada dos Arneiros como na Estrada do Poço do Chão… Paz à sua alma!
A última casa a ser demolida na Estrada dos Arneiros, 30.
(Foto de Arnaldo Madureira -1970 - Arquivo Municipal de Lisboa)