sábado, 24 de dezembro de 2011

O Vendedor de Natal





(por Alexandra Carvalho e Fausto Castelhano, com Mário Pires)






"Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente."

"Poema de Natal", de Vinicius de Moraes




Manuel Fernandes Monteiro, 76 anos.
Nascido a 15 de Outubro de 1935, no concelho de Alijó, distrito de Vila Real.

Ficou sem mãe aos 7 anos e foi Fernando Pinto de Sousa (seu vizinho e pai do antigo Primeiro-Ministro José Sócrates) que tentou que ele fosse acolhido na Casa do Gaiato de Vila Real, dizendo-lhe, como recorda, "(...) andas aqui desprezível, ficaste abandonado e tens que tomar outro rumo para a tua vida."
Infelizmente, esses outros tempos não eram nada fáceis e foi o mesmo vizinho quem lhe disse um dia: - "(...) Não há lei para os meninos da aldeia. Só há lei para os meninos da cidade."
Frase que marcou bastante Manuel Monteiro e sobre a qual se indaga ainda: - "(...) Mas não éramos todos portugueses? E não éramos todos iguais?!".

Face a este triste começo de vida, Manuel Monteiro andou a servir em casa alheia "(...) e lá me criei!", como relembra.

Aos 17 anos veio de comboio para Lisboa, com familiares. O bilhete custou-lhe 150 escudos, preço que nunca mais esqueceu.

Inicialmente, ficou a morar, durante alguns meses, em Campolide, na Vila Ferro.
Mais tarde, muda-se para a Quinta da Granja de Baixo, de Custódio da Silva e Miguel Lourenço; onde viria a conhecer a sua futura esposa, Maria, filha da rendeira daquela quinta, onde até vendiam bilhetes para os jogos do Benfica.
Em 1960 casam na Igreja de Benfica e a boda é realizada na Quinta da Granja de Baixo.

Neste re-começo de vida, Manuel Fernandes Monteiro decide ir à chamada "Horta da Luz", pertença do Conde de Carnide, pedir "(...) um bocado de terreno, para plantar umas batatinhas, umas couvinhas e umas cebolas"; pedido com o qual foi agraciado pela nobre figura.

Manuel Monteiro viveu 52 anos nos terrenos onde, recentemente, construíram o Centro Comercial Colombo. "(...) depois, o Belmiro de Azevedo e companhia deram-me alguma coisinha para sair dali e fiz uma casa na Pontinha, onde vivo."

Manuel Fernandes Monteiro, "(...) homem pobre, mas de muito trabalho", como ele próprio se descreve, é, também, um homem de muita luta e afinco.
Durante um ano, trabalhou na empresa de viação "Eduardo Jorge", na Venda Nova, na lavagem das camionetas.
Mais tarde, esteve 8 anos na Metalúrgica de Benfica. E, em seguida, labutou nessa grande obra da construção do colector para o ribeiro de Benfica ser encanado.

Depois, foi vendedor ambulante na Rua Cláudio Nunes e na Rua Morais Sarmento; tendo, posteriormente, sido integrado no espaço do actual Mercado de Benfica, onde vendeu fruta durante 8 anos.





Excerto de Entrevista com o Sr. Manuel Fernandes Monteiro
para a rubrica "Gente de Benfica"

Entrevista: Fausto Castelhano
Filmagens: Alexandra Carvalho
Montagem Vídeo: Mário Pires

Texto: Alexandra Carvalho

Todos os direitos reservados "Retalhos de Bem-Fica" (2011)






Eram os seus filhos ainda pequeninos (com 3 anos apenas), já Manuel Fernandes Monteiro costumava plantar alguns pinheiros e outros produtos hortícolas nos terrenos por detrás do Chafariz.
"(...) e um senhor muito antigo da Amadora desistiu ali [junto ao Chafariz] da venda de pinheiros (...) E um outro senhor disse-me para pôr ali os pinheirinhos, que podia ser que tivesse sorte."

E Manuel Fernandes Monteiro não só teve sorte na sua venda sazonal - que perdura há 45 anos, junto ao Chafariz de Benfica -, como se transformou, também, numa das mais bonitas e singelas memórias de Natal, de crianças e graúdos, na nossa freguesia.

Manuel Monteiro é o símbolo de um Natal antigo, em que os pinheiros eram naturais e não comprados nas "(...) lojas dos chineses, dentro de caixas que até dão para arrumar e tudo!".

Lembra-se de, antigamente, quando ali descarregava os seus pinheiros, ainda correr água no Chafariz, onde cavalos e burros iam beber água e algumas pessoas "(...) menos respeitosas" aproveitarem para ir tomar banho.
Nesses tempos, chegou a vender entre 300 a 400 pinheiros. Mas agora, que "(...) já há pouca gente a usar, só mesmo os que gostam!", "(...) se vender entre 80 a 100, já é muito bom!".

Apesar disso, todos os anos, continuam a vir clientes já antigos e outros mais recentes, não só de Benfica, como de Loures, Almada e Rio de Mouro, para virem comprar os seus "(...) pinheirinhos de Natal" (oriundos de Coruche, do terreno de uma pessoa amiga, que os planta para esse efeito).

"(...) Até já têm morrido pessoas, que algumas me diziam que já tinham saudades de levar um destes pinheirinhos. Mas os filhos foram para longe e eles nunca mais cá puderam vir", refere Manuel Monteiro, quando lhe perguntamos se tem consciência da importância que este seu negócio sazonal teceu no imaginário de muitas pessoas da nossa freguesia.

Em relação ao futuro deste seu negócio, Manuel Fernandes Monteiro apenas nos diz, com um sorriso no rosto: - "Eu tenho uma memória formidável, enquanto assim estiver não é mau! Por isso vou continuar a venda até poder e depois, que venha para cá outro e que tenha melhor sorte!"

De Benfica, que conhece como a palma da sua mão, Manuel Monteiro diz-nos em jeito de confissão: - "Já foi mais bonito isto! Gostava de ver isto mais bonito outra vez! (...) porque destruíram muita coisa, está tudo podre. Benfica está velha!"




Fotografia de Alexandra Carvalho (2011)

[clicar na imagem acima, para ver mais fotografias]







NOTA FINAL: - Esta entrevista é uma homenagem, que consideramos muito justa, a um homem que tem feito a sua vida na nossa freguesia, mas tem, também, proporcionado a muitos de nós as mais singelas recordações da época natalícia. Muito obrigada por isso mesmo, Sr. Manuel Monteiro!

Aproveitamos, ainda, para aqui deixar os nossos sinceros votos de um Feliz Natal e Boas Festas a todos os leitores e amigos do "Retalhos de Bem-Fica"!










1 comentário:

Anónimo disse...

Muito obrigado Alexandra Carvalho, Fausto Castelhano e Mário Pires.

E um Feliz Natal!

Henrique Oliveira