sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

(Re)Calcetar a Rua com Tricot






(por Alexandra Carvalho)




Sete Rios, saída do Metro 
Fotografia de neoFOFO (2013)



De quando em vez, somos surpreendidos por coisas (bem) bonitas, feitas por gente que gosta de embelezar a cidade em que vive (para si e para os Outros)... 
Gente que toma parte do seu tempo para dedicar a projectos de intervenção urbana na cidade, que não se resumem (apenas) a graffitis.

O neoFOFO é um desses projectos, que pretende, também, alertar para o mau estado da calçada portuguesa.

Patrícia Simões, uma das autoras do projecto, conta-nos que:
 "(...) em Benfica uma velhinha meteu conversa comigo, sem saber que era eu, e disse-me que os passeios ficaram giros e coloridos. Aconselhou-me a percorrer a Estrada de Benfica para ver mais calçada fofa."




Estrada de Benfica, 261 (paragem da Carris)
Fotografia de neoFOFO (2013)


Artigo "Calcetar a Rua com Novelos de Lã" - Jornal i, 02/01/14
Fotografia de neoFOFO (2013)




"Calcetar a Rua com Novelos de Lã" (Jornal i, 02/01/14)
Por Ágata Xavier


'Lisboa anda mais fofa desde as últimas eleições autárquicas e não é por causadas medidas implementadas. Há uma dupla de calceteiros que anda a dar cor à dicromática,e esburacada, calçada lusa.

No livro "Arranca-Corações", o escritor Boris Vian conta a história de uma mãe obcecada pela segurança dos filhos. Entre as várias estratégias para evitar que os trigémeos Joel, Noel e Citroën, se magoem nas quedas típicas da infância, Clémentine, a mãe, pondera alcatifar todo o jardim. Quem anda por Lisboa pode deparar-se com um cenário parecido, mas menos radical: pequenos quadrados de lã tricotada a cobrir os espaços que faltam da calçada portuguesa.

Por trás da ideia, que alerta para o mau estado do pavimento ao mesmo tempo que lhe dá cor, está a dupla formada por Patrícia Simões, arquitecta urbanística de 29 anos - responsável pela marca de granola portuguesa "doSEMENTE" -, e Tiago Custódio, um ano mais velho, que trabalha numa editora de livros. "Eu já tinha tido a ideia de colar corações tricotados em espaços públicos mas não quis que fosse em árvores, nem em bancos de jardim, porque disso já se vê muito", conta Patrícia. Este fenómeno de espalhar tricot, crochet ou outros materiais manufacturados é conhecido por yarnbombing, uma forma de arte urbana.

Por altura das últimas eleições autárquicas, o muro por onde Patrícia passa diariamente há várias anos, na Estrada de Benfica, foi pintado de cinzento. "Coloquei uma fotografia no Instagram onde lamentava ter perdido as frases que estavam escritas nessa parede, frases essas que, durante muito tempo, me acompanharam. Recebi de imediato respostas de amigos a perguntar se não estaria aqui a oportunidade de começar a colar os corações em espaços públicos", explica a jovem.

Foi nesta altura que o Tiago a contactou e o neoFOFO começou a tomar forma. "O Tiago estava a passear e ligou-me porque tinha visto uma falha na calçada que lembrava mesmo um coração. Nesse momento, a ideia de pormos a lã no chão, ao invés de em paredes ou árvores, pareceu-nos a melhor e, depois de vermos qual era a melhor técnica, passámos à acção", revela Patrícia.

"Começámos por colocar as peças à noite, mas, como isto implica martelar, acabávamos por fazer algum barulho. Por isso, passámos a fazê-lo de dia - e tem sido mais engraçado, porque assim conseguimos ver logo a reacção das pessoas. Há muitas que nos perguntam o que é que estamos a fazer e porquê", contam. E continuam: "Neste momento já temos 15 peças espalhadas por Lisboa e estamos a colocar essa informação num mapa que está disponível na nossa página do Facebook." Até agora a dupla tem recriado a calçada em falta nas zonas de Benfica, Belém, Chiado e Pena. Tiago aproveitou a época festiva para calcetar Almancil, de onde é natural, e espera conseguir alargar a sua calçada fofa a mais localidades.

Os quadrados de lã são tricotados por Patrícia e colados por Tiago num cubo de madeira. Esse cubo é depois preso ao chão com a ajuda de um prego. "Nós não tiramos pedras da calçada para colocar as nossas, preenchemos os buracos que já existem", explicam. "Algumas duram uns dias, outras poucas horas. Gostávamos muito de saber o que fazem as pessoas com as nossas peças. É por isso que vamos passar a assinar #neoFOFO. Assim, quem as levar pode procurar por esta referência nas redes sociais e, quem sabe, partilhar connosco o destino das pedras", dizem os autores.

A dupla de arte urbana revela que remendar a calçada que as pessoas levam está fora de questão. "Seria estranho, não pensamos nisso assim. É feito para durar o que tiver de durar, é uma característica da arte efémera", conclui Patrícia.'




Estação Ferroviária de Sete Rios
Fotografia de neoFOFO (2013)


Fotografia de neoFOFO (2013)




Podem consultar aqui o mapa de locais onde o neoFOFO já deixou a sua marca e ir acompanhando este interessante projecto.

Consultar aqui o artigo no P3.




1 comentário:

Porto Santo disse...

Excelente ideia, e um bom aviso à navegação de como se encontra a nossa bela, e em muitos sítios degradada, calçada portuguesa.