segunda-feira, 26 de maio de 2014

A Quinta de Montalegre e o “Bonifácio” (4)



Todos os direitos reservados @ Fausto Castelhano, "Retalhos de Bem-Fica" (2014)



Capítulo IV - Chuva de dinheiro inunda a cidade de Lisboa. Uma bênção do “Bonifácio”. 


(por Fausto Castelhano **)






Afagou o bigode, fixou os lúzios na figura da bizarra personagem com a identificação “Eis o Bonifácio” e só depois resolveu ler e reler, de ponta a ponta, a insólita novidade arrumadinha no canto superior direito da edição domingueira do “Diário de Notícias” do dia 11 de Junho de 1939.


Eis o Bonifácio (in Diário de Notícias de 11 de Junho de 1939) 


Embora já precavido por dois alertas anunciados no seu jornal de sempre, tanto na véspera (sábado, 10 de Junho de 1939), como também na sexta-feira 9 de Junho de 1939 (1) e aos quais não atribuiu demasiada importância, Augusto Castelhano nem queria acreditar na extravagante notícia pespegada no Diário de Notícias: “Esta tarde choverá dinheiro sobre Lisboa. Das 17 às 19 horas, um avião lançará sobre a cidade os prémios do BONIFÁCIO. Quem apanhar um prospecto numerado a vermelho e tiver em seu poder o retrato do BONIFÁCIO recortado do «DIÁRIO DE NOTÍCIAS» tem garantido o prémio”.



O alerta lançado pelo Diário de Notícias de sexta-feira (9 de Junho de 1939) anunciando a próxima chegada do Bonifácio com o lançamento de milhares de prospectos sobre a cidade Lisboa (in "Diário de Notícias"). 


Augusto Castelhano ficou verdadeiramente embasbacado e os seus pensamentos fervilharam de imediato e conversou com os seus botões: “Ora esta! Parece que esta gentinha anda completamente maluca… Lançar dinheiro pela borda fora d’um avião não lembra ao Diabo mais velho. E quem será este estranhíssimo manganão? Que raio de fenómeno se estará a passar na cidade de Lisboa?” 
E a descrição do fabuloso BONIFÁCIO conseguiu despertar-lhe uma desmesurada curiosidade: “BONIFÁCIO, que temos o prazer de mostrar aos nossos leitores numa reprodução em madeira do desenho dum grande artista, Arnaldo Ressano é, como se vê, um riso aberto, uma simpatia! Dentro de poucos dias, feita a sua apresentação em pessoa, conhecida a aventura da sua descida em pára-quedas e algumas das suas partidas de espírito, BONIFÁCIO será um símbolo de alegria”. E continuava: “Grato ao «Diário de Notícias» pelo interesse que tem tomado falando do seu regresso e tratando-o com amizade, BONIFÁCIO corresponde dispensando gentilezas aos nossos leitores, na verdade a melhor forma de nos cativar”.



O anúncio no Diário de Notícias no dia 10 de Junho de 1939 (in "Diário de Notícias"). 


“Aos nossos leitores de Lisboa se destinam as suas primeiras liberalidades. Como dissemos, um avião lançará hoje prospectos sobre a cidade, entre as 17 e as 18 horas; alguns desses prospectos são numerados a tinta vermelha. O leitor do «Diário de Notícias» que levar consigo o retrato do BONIFÁCIO, recortado do nosso número de hoje, e houver às mãos um prospecto numerado receberá o prémio correspondente”.



A 1ª página da edição do Diário de Notícias do dia 11 de Junho de 1939. 
(in "Diário de Notícias" de 11 de Junho de 1939) 


“Assim, 1 prémio no valor de 500$00 coube ao prospecto com o número 18 (o número favorito do BONIFÁCIO) e 10 prémios de 100$00 - aos prospectos com os números: 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10 e ainda, 30 prémios de 50$00 aos prospectos com os números: 11,12,13,14,15,16,17,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28,29,30,31,32,33,34,35,36,37,38,39,40, 41”.



A 1ª página da edição do Diário de Notícias de 11 de Junho de 1939. E no canto superior direito, a sensacional notícia e foto do obscuro “Bonifácio” (in "Diário de Notícias" de 11 de Junho de 1939). 


 “As pessoas que tiverem a sorte de apanhar qualquer destes prospectos e o apresentarem na nossa Redacção das 22.00 horas à meia-noite de hoje receberão o prémio correspondente, desde que vão munidas com o retrato do BONIFÁCIO que hoje publicamos”. E no termo do informe: “OS PRÉMIOS DO BONIFÁCIO cairão, esta tarde, do céu sobre Lisboa”. E Augusto Castelhano, carregadinho de ilimitada desconfiança face à excepcional comunicação, teria certamente matutado: “Mas que ideia tão estrambótica, louvado seja Deus. Amanhã, o melhor será apontar o nariz p’ró céu, abrir os farolins de par em par e permanecer atento aos acontecimentos, talvez com um pouco de sorte, seja contemplado com um papelucho vermelho com direito a prémio chorudo. A ver vamos”.



Anúncio dos Rádios MINERVA inserido na 1ª página da edição do Diário de Notícias de 11 de Junho de 1939 (Foto Wikipédia). 


Ora, na manhã do dia seguinte, segunda-feira 12 de Junho de 1939, quando o ardina chegou à Quinta de Montalegre e fez soar o badalo do portão de entrada da Rua dos Soeiros, 193, Maria Augusta foi abrir de imediato e, logo que recebeu o jornal (Diário de Notícias), recomendou-lhe de chapuz: “Olhe que o meu marido é freguês certo, portanto, faça o favor de não se esquecer de reservar o jornal todos os dias antes que se esgote. Parece que andam p’rá aí a lançar dinheiro do céu, não sabemos que raio de maluqueira se estará a passar, mas pelos vistos só entregam as notas do Banco mediante uns recortes que vêm no jornal”. E o vendedor de jornais que fazia a habitual ronda matinal na distribuição das publicações pela clientela da freguesia de Carnide, além doutros locais dos arredores retorquiu: “A D. Augusta pode estra descansada. Não me vou esquecer. Então, até amanhã!”



O tenebroso Millan Astray veio a Lisboa agradecer ao governo de Oliveira Salazar todo o apoio concedido ao generalíssimo Franco e seus sequazes contra o governo legítimo da República de Espanha (Foto Wikipédia). 


Após o almoço e antes de dormir a sesta como habitualmente (até cerca das 16.00 horas quando se levantaria a fim de proceder a medição do leite da ordenha da tarde a cargo do vaqueiro e amigo Manuel Rodrigues, o saudoso ti’Conde), Augusto Castelhano ainda agarrou no "Diário de Notícias" e passou uma rápida vista de olhos pelos títulos insertos na 1ª página do matutino, porque uma leitura mais cuidada ficaria para depois do jantar. Assim e a “letras gordas” sobressaía um conjunto de várias notícias da actualidade, a saber: “MILLAN ASTRAY chega hoje a Lisboa onde lhe estarão preparadas entusiásticas manifestações”. E a completar: “O poeta e orador José Maria Peman chegará amanhã em avião à Granja do Marquês”; “O CHEFE DO ESTADO AGRADECE A FRANCO as saudações enviadas pelo Generalíssimo aquando da recente reunião do Conselho Nacional da Falange Tradicionalista e das Jons” (Juventud Obrera Nacional Sindicalista). Mais duas notícias: “SÃO NUMEROSAS AS CRIANÇAS QUE FICARAM NA ORFANDADE por causa da catástrofe de Ponte do Lima” (incluía uma foto com a seguinte legenda: “O viúvo e os seis órfãos de Conceição Martins Feijó”. Uma pequena nota no canto inferior direito e originária de Londres: “FOI ESQUARTEJADA UMA MULHER, tendo aparecido uma cabeça, um braço e uma perna envolvida em jornais, num atalho isolado, perto duma aldeia inglesa”. Além de outras novidades de menor importância, cerca de metade da 1ª página do Diário de Notícias estava dedicada ao obscuro BONIFÁCIO. Encontravam-se incluídas quatro fotos e um extenso texto titulado a letras maiúsculas a propósito das peripécias ocorridas no dia anterior e onde avultava o voo do avião que lançara milhares de prospectos sobre a capital lisboeta, relatadas nestes termos: 



“Chega dentro de dias” 
O BONIFÁCIO!



O avião que distribuiu os prospectos de “Bonifácio” voa sobre a capital (in "Diário de Notícias" de 12 de Junho de 1939). 


“ENTRE OS MILHARES DE PROSPECTOS LANÇADOS ONTEM DE AVIÃO SOBRE A CIDADE A ANUNCIAR A CHEGADA DE BONIFÁCIO FORAM DISTRIBUÍDOS três mil escudos”  

“Bonifácio constituiu ontem, sem dúvida, o grande assunto do dia. Logo de manhã cedo, Lisboa alvoraçou-se. O Diário de Notícias não deixou de aparecer, como prometera, com a garantia de que, as primeiras liberalidades de Bonifácio iam tornar-se, ao cair da tarde, um facto insofismável” 
“Após tantos dias vividos com a curiosidade acicatada pelo mistério desse Bonifácio excêntrico, amável, mas inteiramente desconhecido, o lisboeta não pôde furtar-se a algumas considerações de ordem, talvez muito íntimas mas profundamente humanas”. 
“Quem não teria pensado com alguma fagueira esperança na fácil possibilidade de apanhar um dos prospectos premiados que o capricho de Bonifácio faria espalhar, às mãos largas, pelo céu de Lisboa? O certo é que, se houvesse quem, desde manhã cedo, se desse a querer descobrir o local preferível para aguardar a passagem do avião de Bonifácio, não faltou também quem saísse à rua sem cogitações de maior e apenas entregue à filosofia simples de que, aqui ou ali, numa rua ou num largo, havia de ser o que Bonifácio quisesse”. “Quando por volta das cinco horas, as asas claras do avião do «Diário de Notícias» surgiram, finalmente, muito baixo, sobre o casario da cidade, pode bem dizer-se que a cidade em peso pensou em Bonifácio. Mal os prospectos, aos milhares, começaram a ser lançados, os olhos estavam postos nesses prospectos, não diremos como se eles representassem uma autêntica sorte grande, mas com a certeza de que traduziam uma pequenina sorte bem fácil de agarrar. A questão estava, afinal, como sempre, em conseguir agarrá-la”.



Um dos muitos aspectos de interesse que Bonifácio despertou ontem no público de Lisboa. 
(Foto "Diário Notícias") 


“No Rossio, nas ruas da Baixa, na Avenida, no Parque Eduardo VII, nas Avenidas Novas, no Estádio - enfim - em toda a cidade, de Belém ao Poço do Bispo, do Terreiro do Paço ao Lumiar, a população de Lisboa passava a tarde a olhar o céu, a seguir o voo do avião do «Diário de Notícias», a ver e a correr, muitas vezes na ânsia de apanhar os almejados prospectos do extravagante e generoso Bonifácio”. E Bonifácio, fiel à sua palavra, foi deste modo e indiscutivelmente, a grande e amena distracção do lisboeta durante o dia de ontem”


Lisboa vista do ar 

“O «Diário de Notícias» colocou ao serviço de Bonifácio, a fim de cumprir as suas determinações quanto à chuva de dinheiro sobre Lisboa, um avião “CUB” de 50 cavalos, oriundo da “Escola “Manuel Bramão”. Mais de quarenta quilogramas de prospectos foram colocados no avião que estava na pista de Alverca, de tal forma que, durante a manobra de lançamento, os prémios estivessem equitativamente distribuídos”.



O nosso redactor Mário Rosa subindo para o avião. 
(Foto publicada no "Diário de Notícias") 


“A bordo do avião seguiu o nosso camarada Mário Rosa que procedeu ao lançamento dos prospectos anunciadores da vinda de Bonifácio, com o objectivo de que eles se espalhassem por todos os bairros da capital. Onde primeiro caíram esses prospectos, foi para os lados das Avenidas Novas”. “O vento soprava um pouco do lado norte, atravessando o Tejo, de maneira que houve a preocupação de que esses impressos, que representavam dinheiro e podiam proporcionar momentos de alegria aos nossos leitores, não fossem cair no rio”. “O fim da iniciativa do Bonifácio era contemplar o maior número possível de pessoas. Esse fim foi plenamente atingido. De bordo do avião assistimos às correrias no Rossio, o que bem demonstrava o bom lançamento dos prospectos”. “De lés-a-lés, a capital foi alvo de um ataque aéreo de efeitos benéficos: dar dinheiro. Eis uma simpática missão da aeronáutica às ordens de Bonifácio”


Bonifácio chega no próximo domingo 

A história dos prémios e a alegria dos premiados 

“Do céu, aos trambolhões, caíram centenas, milhares de papéis e entre esses, algumas dezenas tinham um número a vermelho, nem todos eram “brancos”. Cada um desses tem uma história, uma história diferente da anterior e que só se encontra num ponto: na satisfação que todos sentiram em ter recebido um presente do Bonifácio”. “Bonifácio, se subsistissem algumas dúvidas sobre o seu sentido de justiça e de amizade para com os seus semelhantes provaria, desta vez, o seu amor e o seu interesse por todos os que necessitam e trabalham. Com prospectos premiados passaram à nossa frente todas as classes sociais: do pequeno proprietário ao ardina, do funcionário público ao aprendiz de pedreiro”.



António Cardoso, empregado do Café Chave d’Ouro foi premiado com 50$00. Nos anos 40 e 50 do século XX foi local de oposição ao regime vigente de então, o chamado Estado Novo. Em Maio de 1956 alberga o lançamento da candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República em cuja conferência e à pergunta da France Press: “Qual a sua atitude para com o Sr. Presidente do Conselho se for eleito? Proferira a célebre resposta: “Obviamente- demito-o” (in “Restos de Colecção"). 


“Garotos, homens, mulheres (não fosse ele o ídolo das mulheres) receberam dádivas valiosas de Bonifácio. Mas não basta dar, é preciso saber dar. E Bonifácio demonstrou que sabe dar…sem ofender. Então não é simpático o seu gesto de aproveitar a estadia em Lisboa do Sr. Alberto da Silva Pimentel, proprietário no Gavião, para lhe deixar cair nas mãos, quando estava numa bancada a assistir a um desafio de Football, o prospecto com o número 2, igual a 100 escudos?” “E o caso do comerciante Sr. António José Silva, que foi encontrar no telhado, mesmo junto ao cano do algeroz, um bilhete de 50$00… E se chovesse? Lá se ia o dinheiro pelo cano abaixo”. “O Sr. António Cerqueira Caldas é que teve sorte. Não se incomodou, não correu para apanhar os prospectos, não teve questões. Limitou-se a ir tomar o fresco para o quintal da sua residência. E que viu ele entre as flores e as couves? Um bilhete do Bonifácio - um só, mas este com 50$00. À Sr.ª D. Maria Rosa Lourenço sucedeu quase o mesmo - foi apanhar o prospecto na cascata do seu jardim. Para quê negar que estamos orgulhosos desta equitativa distribuição?”.



Jacinto Paulo Sousa, contemplado com 500$00 residia na Vila Cândida, nº 15, R/C, Freguesia da Penha de França, em Lisboa. 
(Foto de Arnaldo Madureira, 1940 do Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa) 


“Ao Sr. Francisco da Silva Moutela entrou-lhe o dinheiro pela porta dentro. Estava à porta do seu estabelecimento de bebidas quando viu que, mansamente, descia um papelucho. Apanhou-o, resultado, mais um premiado. O pequeno Carlos Jacinto é aprendiz de pedreiro. Deve ter chegado da sua aldeia há poucos meses e a nostalgia do campo levou-o ontem para o Parque Eduardo VII. Pois foi lá mesmo que a sorte o foi procurar, brindando o pequenito trolha com 50$00 - uma fortuna que ele levaria mais de uma semana a ganhar. Não foi este o único garoto a quem Bonifácio sorriu”. “Ao pequeno José Correia Quá, estudante de primeiras letras, coube-lhe 50$00. Que teria sentido o Mário Pinto Rodrigues - ardina por profissão, garotão por sentimento - quando apanhou um prospecto com 100$00? Os senhores já pensaram o que será um ardina com uma nota de cem? O António Cardoso é um daqueles moços vestidos à estudante de colégio inglês que o Café Chave de Ouro mantem entre o seu pessoal. Pois ontem passava na Rua do Ouro e, zás: 100$00 do Bonifácio”. “O porteiro do Café Palladium não esteve com meias medidas, apanhou o nº1. Até parece que se estabeleceu competição entre os dois estabelecimentos… O certo é que este dinheiro veio fazer a felicidade de muita gente - felicidade transitória é certo, mas a eterna existe acaso? Que o diga a serviçal Antónia da Conceição, que estava perto de casa a pensar nas agruras da vida e que viu descer do céu um mês de ordenado… E o caso do cozinheiro José Tudon que foi para o telhado apanhar um prospecto da primeira dezena? E mais, e tantos outros casos, todos diferentes, todos risonhos, todos comovedores, no fundo”. Bonifácio é galante com as damas”: “Um exemplo: a Sr.ª D. Rita de Assunção Ferreira, que foi encontrar na varanda, junto dos seus lindos cravos amarelos, um presente do simpático e inigualável Bonifácio. A verdade é que o nosso herói adora os cravos e raro é o dia em que um não lhe brilha na lapela”. “Esta senhora, ao conhecer este fraco do Bonifácio, prometeu-nos vir até cá no Domingo com um ramo dos seus lindos cravos. Desde já, em nome do Bonifácio, muito obrigado, minha senhora”.



Os contemplados com os prémios do Bonifácio vendo-se entre eles (X), Jacinto Paulo de Sousa, premiado com 500$00 (in Diário de Notícias de 12 de Junho de 1939) 


“Perguntará, agora, o leitor: E esse célebre prémio de 500$00, esse número dezoito? Pois vão à Vila Cândida, nº15, rés-do-chão, e perguntem ao sr. Jacinto Paulo de Sousa como foi que, indo ontem pela Rua de Santa Marta viu cair os prospectos anunciando a vinda do Bonifácio, pôs um pé em cima de um e…apanhou 500$00”. “Perguntem-lhe e ele lhes dirá a sua gratidão pelo Bonifácio”: Deram-me um arranjo…Parece que nem de propósito. Numa altura destas…O Bonifácio é assim. Dá a quem precisa para levar aos lares tristes uma gargalhada de boa disposição”


Prémios pagos ontem à noite 

Além do prémio mais valioso de 500$00 atribuído a Jacinto Paulo de Sousa (Vila Cândida, nº15, r/c, empregado do comércio), seguia-se uma lista de 9 premiados com 100$00 e outro conjunto de 14 beneficiados com 50$00 e onde se referiam, também, as respectivas profissões e locais de residência. 


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E chega o dia 13 de Junho, o dia festivo de Santo António de Lisboa que o "Diário de Notícias" assinala condignamente com figura alusiva aos Santos Populares e versos de Acácio de Paiva.



Figura e versos alusivos ao Dia de Santo António (in "Diário de Notícias" de 13 de Junho de 1939). 


Outros títulos a destacar na 1ª página: “600 LEGIONÁRIOS E 400 POLÍCIAS fazem amanhã exercícios nocturnos no Bairro do Arco do Cego”; “A OBRA DO SR. MINISTRO DAS COLÓNIAS na ilha portuguesa de Timor”. E titulado com enormíssima saliência: “O FUNDADOR DO “TÉRCIO”, GENERAL MILLAN ASTRAY ESTÀ EM LISBOA DESDE ONTEM para as homenagens aos “Viriatos. E a completar: “Portugueses e espanhóis acolheram entusiasticamente o garboso cabo-de-guerra”. Seguia-se um dilatado texto relativo ao evento e que englobava quatro deploráveis fotos do torcionário espanhol, reflectindo de modo claríssimo o ambiente de intolerância que se vivia na época em ambos os países peninsulares.



O generalíssimo Francisco Franco e o general Millan Astray, dois temíveis quanto sanguinários personagens da Guerra Civil de Espanha (Foto Wikipédia). 


Eis as legendas das fotos publicadas: “Millan Astray na Casa de Espanha durante a execução do hino da Legião Estrangeira” e onde, orgulhosamente de braço estendido, os convivas faziam a saudação nazi-fascista; “Millan Astray entrevistado por um redactor do Diário de Notícias”; “Millan Astray põe no peito do alferes Coelho da Rocha a sua medalha de Caballero Mutilado" e, na última foto, “Abraçando o capitão Jorge Botelho Moniz”. Enfim, um bando de gentalha pouco recomendável no rescaldo da Guerra Civil de Espanha (17/18 de Abril de 1936/1 de Abril de 1939).



Os “Viriatos” em terras espanholas onde combateram ao lado das tropas golpistas de general Francisco Franco contra o governo legítimo da República de Espanha (Foto Wikipédia). 


Outras notícias de interesse: “O OBSERVATÓRIO METEREOLÓGICO INFANTE D.LUÍS foi ontem visitado pelo Chefe do Estado, o que já não acontecia há 31 anos”; “VAI SER CONSTRUÍDO UM BAIRRO ECONÓMICO EM XABREGAS".



O Observatório Meteorológico do Infante D. Luiz (1853 - 1946), ou Instituto do Infante D. Luís, foi um observatório meteorológico construído na cerca da Escola Politécnica de Lisboa, onde actualmente se encontra o Jardim Botânico da Universidade de Lisboa. O observatório meteorológico veio a ser também denominado Instituto do Infante D. Luís. Em 1946, com a criação do Serviço Meteorológico Nacional assumiu o estatuto de estabelecimento anexo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Foto e texto Wikipédia) 


Quanto ao benquisto Bonifácio, o "Diário de Notícias" colocou uma aparatosa epígrafe anunciando a sua chegada no próximo Domingo, 18 de Junho de 1939. Assim: 


NO PRÓXIMO DOMINGO 
BONIFÁCIO CHEGARÁ DE AVIÃO A LISBOA E DESCERÁ EM PÁRA-QUEDAS 
entre a Praça dos Restauradores e o Parque Eduardo VII. 
Foram ontem distribuídos mais alguns prémios do Bonifácio. 

“Como se viu pela nossa reportagem, o primeiro contacto palpável de Bonifácio com os seus amigos de Lisboa (até agora, mais trinta pessoas apalparam as notas de 500, 100 e 50 escudos) constituiu um acontecimento na cidade. Alvoraçaram-se e encheram-se de alegria, na tarde de domingo, todos os bairros com a ideia da chuva de dinheiro; e, pelo belo serviço que fez o avião “CUB”, da Escola Manuel Bramão, os prospectos foram cair em pontos diversos permitindo uma distribuição feliz, porque foram parar na sua quase totalidade, a pessoas necessitadas, como se a mão do justo e generoso Bonifácio, pudesse guiar a mão de quem lançou os papéis e dominar os ventos desfavoráveis.”



No próximo Domingo, chegará de avião a Lisboa e descerá em paraquedas entre a Praça dos Restauradores e o Parque Eduardo VII (in Diário de Notícias de 13 de Junho de 1939).   


“Cumpriu-se, assim, admiravelmente o que fora anunciado e os poucos prémios que não foram, até agora reclamados, porque os prospectos que caíram em quintais de casas desabitadas ou em telhados, em que ainda se conservam, serão pagos até sábado próximo, véspera da chegada de Bonifácio, se alguém os houver às mãos até lá, se algum saldo houve”.



Anúncio do Fermento em Pó Nacional afixado na 1ª página do Diário de Notícias do dia 14/6/1939: “Use fermento em pó nacional” (in "Diário de Notícias"). 


Entretanto, o povoléu da cidade de Lisboa e arredores entrou em absoluta paranóia incitado massivamente, tanto pelos prospectos caídos do céu e que valiam dinheiro, como pela propaganda incisiva movida por intermédio das edições do "Diário de Notícias" o qual, na 1ª página da edição do dia 14 de Junho de 1939, surgia com as seguintes manchetes e onde avultava o título destacadíssimo a propósito da Exposição Mundial de Nova York de 1939/40: “UMA MENSAGEM DE SALAZAR AOS PORTUGUESES DA AMÉRICA DO NORTE”. Seguidamente e com letras mais pequenas: “Toda a nossa política se reduz, afinal, a fazer com que os portugueses sejam em tudo dignos das tradições da sua Pátria e mostrar-lhes que a Pátria é, pelo ressurgimento operado em todos os campos, digna do amor e dedicação dos seus filhos”.



O pavilhão de Portugal na Exposição Mundial de Nova York de 1939/40 (Foto Wikipédia) 


Pois é, mas as prisões políticas do “regime”, desde Caxias a Peniche, Aljube e Angra do Heroísmo, até ao Campo de Concentração do Tarrafal encontravam-se atulhadas de patriotas portugueses… 
Outros títulos: “A GRANDE PROVA DO CICLISMO PORTUGUÊS PROMOVIDA PELO DIÁRIO DE NOTÍCIAS terá este ano carácter internacional com a vinda de várias equipas estrangeiras”; “FOI DESCOBERTO UM IMPORTANTE ROUBO praticado no solar do visconde do Alcaide (Coimbra) dias antes do falecimento deste titular”; Com alguma visibilidade e acompanhada do respectivo mapa das concessões estrangeiras de Tien-Tsin: “COMEÇOU O CÊRCO À CONCESSÃO BRITÂNICA DE TIEN-TSIN”.



O mapa mostra as concessões estrangeiras de Tien-Tsin. As concessões Francesa e a Britânica encontram-se circundadas por arame farpado ali colocado pelos japoneses antes do actual incidente (in "Diário de Notícias" de 14 de Junho de 1939). 


E ainda: “A QUESTÃO DE DANTZIG pode levar a Polónia a invocar o Tratado de Versalhes”. Trazia anexada uma imagem com a legenda: Um aspecto típico de Dantzig: “A famosa torre medieval de tijolo e madeira erguida numa das margens do Vístula”



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Pois bem, e no que toca ao famigerado Bonifácio eram difundidas algumas novidades. Não só fora inserida a listagem dos cidadãos premiados no dia anterior, mas também seria lançado o 1º cupão relativo à sílaba inicial da palavra “Bonifácio”: BO. Perante tão importante dado, Augusto Castelhano aconselhou a esposa, Maria Augusta, que “dali em diante tomasse as devidas cautelas e não se esquecesse de guardar os jornais ou pelo menos, os cupões, pois nunca se sabe p’ra que lado o Destino se iria virar”
E a difusão do fenomenal Bonifácio continuava em grande estilo: “SOBRE LISBOA EM PÁRA-QUEDAS, BONIFÁCIO VAI LANÇAR-SE NO PRÓXIMO DOMINGO”. E logo a seguir: “UM PRÉMIO DE 2.000$00 a quem o conduzir ao Diário de Notícias com a colecção completa dos cupões que começamos hoje a publicar”.



A resenha dos acontecimentos do dia anterior relativos ao Bonifácio e a publicação do primeiro cupão com a primeira sílaba BO (in "Diário de Notícias" de 14 de Junho de 1939). 


E insistia: “Já não faltam muitos dias para que a ansiedade da população de Lisboa seja acalmada com a presença de Bonifácio. O herói de tantas proezas e aventuras, todas inspiradas numa alegria sã e num fim generoso, vai aparecer, enfim, aos olhos de milhares e milhares de curiosos, alguns já muito agradecidos, como sejam aqueles que receberam as suas primeiras lembranças no domingo passado”. “Bonifácio não necessita de reclamos, porque, além de ser um génio alegre, principia a ser considerado mascote. Bonifácio traz consigo, além da boa disposição, a sorte para aqueles que o fitarem com fé e principalmente para o primeiro que tiver a ventura de o tocar”. “Limitamo-nos, por isso, a repetir a boa nova: Bonifácio chegará no próximo domingo à tarde de avião. Bonifácio lançar-se-á em pára-quedas, entre os Restauradores e o Parque Eduardo VII. Bonifácio será portador de um Prémio de DOIS CONTOS para a pessoa que o apanhar e o levar ao Diário de Notícias”.



O anúncio da “Volta a Portugal 1939” em bicicleta 1ª página do Diário de Notícias (in "Diário de Notícias" de 14/6/1939). 


“BONIFÁCIO, dado o seu carinho pelo nosso jornal, exigirá apenas, a quem venha a ter a sorte de o acompanhar, um pequeno cuidado: ir munido na tarde do próximo domingo, 18 de Junho, com os recortes dos cinco cupões que, de hoje até lá, publicaremos com as cinco sílabas do seu nome glorioso: BO-NI-FÁ-CI-O”
E o assunto sobre o Bonifácio termina com a alusão aos premiados do dia anterior: “Dos prémios que o Bonifácio distribuiu no passado domingo, por avião, foram entregues mais três de 50$00: Maria Helena Martins Saraiva, estudante; Félix Ruivo, fiscal de vinhos; António Tavares, tipógrafo). Há ainda, espalhados pela cidade, sete prospectos do Bonifácio premiados”



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E no dia seguinte, 15 de Junho de 1939, inserido na primeira página do "Diário de Notícias", sobressaía um título em grandes parangonas embandeirando em arco: “UM SALDO DE 240 MIL E 800 CONTOS nas Contas Públicas. OS IMPOSTOS INDIRECTOS RENDERAM mais de 109 mil e 500 contos do que a verba calculada em orçamento”
Pois é, mas o povinho continuava na mais negra das penúrias, afora a violenta repressão exercida pelas forças policiais ou militarizadas: a Legião Portuguesa e a implacável PIDE (Polícia de Vigilância e de Defesa Estado), além de formidável contingente de incontáveis informadores vulgo, bufos, recrutados em todas as classes sociais da sociedade portuguesa. 
Com algum impacto e associada a quatro fotos, a seguinte informação: “NOVECENTOS HOMENS; CARROS DE ASSALTO E AUTO-METRADORAS DA P.S.P. E DA “LEGIÃO” fizeram exercícios de conjunto ontem à noite no Arco do Cego”
Ainda outras notícias: “DUAS HORAS DE RÍTMO na Estufa-Fria do Parque Eduardo VII” mostrando, também uma elucidativa imagem de um grupo de simpáticas crianças em plena exibição;



Exibição dum grupo de crianças na festa “Duas horas de ritmos” realizada na Estufa-Fria do Parque Eduardo VII (in "Diário de Notícias" de 15 de Junho de 1939). 


Um drama passional: “DIZE UMA PALAVRA QUE ME SALVE”, suplicava o criminoso à sua vítima depois de a ter esfaqueado”; Uma fotografia remetia os leitores para a página 5. Constava de um grupo de personalidades que rodeavam o celerado Millan Astray, os quais de braços estendidos, exteriorizavam a sua ideologia fascista. A legenda: “Millan Astray com o Embaixador de Espanha na sua chegada à sede da União dos Inválidos de Guerra”;



Millan Astray com o Embaixador de Espanha na sua chegada à sede da União dos Inválidos de Guerra (in "Diário de Notícias" de 15/6/1939). 


“300 CRIANÇAS partiram ontem para a Colónia Balnear da Cruz Quebrada (com foto); “ESTÃO QUASE TERMINADAS as obras da Avenida Almirante Reis” (incluía foto a condizer); “A VIAGEM PRESIDENCIAL FOI MARCADA PARA AS 18 HORAS DO PRÓXIMO SÁBADO a partida do Colonial” (referia-se à segunda viagem presidencial ao Império Colonial Português). 



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Entretanto, a saga em torno do fabuloso Bonifácio continuava em níveis elevados, agora com a inserção do cupão nº 2 (a sílaba NI) e o anúncio da descida em paraquedas no próximo Domingo que se previa deveras espectacular: “DOMINGO, das 18 para as 19 horas” “A POPULAÇÃO DE LISBOA ASSISTIRÁ À EMOCIONANTE DESCIDA DE BONIFÁCIO EM PÁRA-QUEDAS”



As novidades do Bonifácio e que incluía o cupão nº 2 com 2ª silaba da palavra Bonifácio: NI (in "Diário de Notícias" de 15 de Junho de 1939). 


“Toda a gente pode habilitar-se ao Prémio da Recepção do Bonifácio, ESC.2.000$00, coleccionando os cupões que o DIÁRIO DE NOTÍCIAS está a publicar. É hoje publicado o 2º cupão que dá direito ao PRÉMIO DA RECEPÇÃO DO BONIFÁCIO: dois-passos para o grande acontecimento do PRÓXIMO DIA 18, que será um Domingo cheio de alegria e de esperança”. 
“O simpático amigo do Diário de Notícias surgirá no céu azul de Lisboa, num belo avião, voará muito baixo sobre a Praça dos Restauradores e a Avenida da Liberdade e descerá em pára-quedas das 17 para as 19 horas, conforme temos informado. Quem o encontrar e o levar à nossa Redacção receberá um prémio de 2.000 escudos. Só temos que recomendar aos nossos leitores interessados na aparição do alegre e generoso Bonifácio que não se esqueçam de ir recortando os cupões”



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Chegara a antevéspera da vinda do amistoso Bonifácio e a edição do "Diário de Notícias" de Sexta-feira, 16 de Junho de 1939, anexando o cupão nº3 com a sílaba FA, ajudava à festa excitando tudo e todos. Vejamos: 


BONIFÁCIO chega depois de amanhã e trás notícias sensacionais. 
BONIFÁCIO descerá em paraquedas das 18 para as 19 horas. 
BONIFÁCIO lançará do seu avião milhares de prospectos anunciando iniciativas do «DIÁRIO DE NOTÍCIAS».



Bonifácio chega depois de amanhã e trás notícias sensacionais (in "Diário de Notícias" de 16 de Junho de 1939).  


“É já depois de amanhã que Bonifácio surgirá no seu avião sobre a cidade de Lisboa. Entre as 18 e as 19 horas, quando voar baixo sobre a Avenida, os seus inumeráveis admiradores procurarão ansiosamente distinguir na carlinga a sua face risonha, que só por si inspira boa disposição. Depois, Bonifácio elevar-se-á para estudar o ponto exacto da sua descida em pára-quedas, que não será, em caso algum, no Parque Eduardo VII, pelo acidentado do terreno e ainda pelo risco de algum pé-de-vento desviar o aparelho para o lago”.



O cupão nº 3 com a terceira sílaba (FÁ) da palavra Bonifácio (in da edição do "Diário de Notícias" de 16 de Junho de 1939).  



O prémio de dois mil escudos 

“O prémio de dois mil escudos será entregue a quem o conduzir ao Diário de Notícias. As credenciais junto do Bonifácio (isto é, o que habilita ao prémio quem primeiro dele se aproximar) serão os cupões com as sílabas do seu nome, dos quais hoje publicamos o terceiro: Chegada do BONIFÁCIO - O prémio de 2.000$00 que Bonifácio dará a quem o apanhar, no próximo Domingo, quando ele se lançar do avião, em pára-quedas, só será entregue mediante a apresentação de 5 cupões do «Diário de Notícias» com as sílabas BO-NI-FÁ-CI-O. Cortar e guardar. 



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Outros títulos que ressaltavam na primeira página do matutino lisboeta a que se seguiam os respectivos desenvolvimentos: “RESUMO DAS CONTAS PÚBLICAS DE 1938. UMA IDEIA CLARA MAS SUCINTA DA NOSSA ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA”. E depois: “Para chegar a tais resultados foi preciso fazer grandes reformas nas contas, na Fazenda, nos impostos, na dívida, nas pautas e montar em bases diversas os serviços”;



A ponte internacional de Tien-Tsin (in "Diário de Notícias" de 16/6/1939).  


“O JAPÃO MOSTRA-SE DECIDIDO A EXIGIR A REVISÂO TOTAL DA POLÍTICA BRITÂNICA NA CHINA e ameaça tomar novas medidas contra a concessão de Tien-Tsin. Navios nipónicos estabeleceram o bloqueio a Amoy” (foto da ponte internacional de Tien-Tsin); “A VOLTA A PORTUGAL- 1939 (trazia anexada uma fotografia com os delegados dos clubes desportivos concorrentes); “O COMISSÁRIO GERAL DA EXPOSIÇÃO DO MUNDO PORTUGUÊS reuniu ontem num almoço íntimo os seus mais directos colaboradores” (agregava uma fotografia do evento com a legenda: “O Sr. Dr. Augusto de Castro na presidência do almoço”. Um extenso artigo a propósito da próxima visita do Presidente da República à África Portuguesa encontrava intitulado deste modo: “O SIGNIFICADO DA VIAGEM PRESIDENCIAL”.



Anúncio das Bolachas Araruta na 1ª página do Diário de Notícias do dia 14/6/1939: “Use fermento em pó nacional” (in "Diário de Notícias"). 


Acrescentemos mais duas pequenas notícias: “UM VISIONÁRIO QUE QUIS IR A MARTE E FOI PARAR À CADEIA; “AS OBRAS CAMARÁRIAS PARA TRANSFORMAÇÃO E EMBELEZAMENTO DE LISBOA previstas no programa de comemorações centenárias prosseguem activamente” (Foto com o seguinte rótulo: “Os vereadores observando as obras de prolongamento da Rua Alexandre Herculano”). 



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Chegou sábado, 17 de Junho de 1939 e a 1ª página do matutino da Travessa da Queimada / Rua do Diário de Notícias (antiga Rua dos Calafates, focava diversos assuntos: “MILLAN ASTRAY que ontem foi recebido pelo Sr. Presidente do Conselho regressa hoje ao seu país”, avivada através de foto com o celerado militar espanhol. Assim: “Millan Astray com o Embaixador de Espanha e outras individualidades na festa de ontem”; Enquadrado com a imagem do infortunado submergível navegando em pleno alto-mar: “MAIS UM SUBMARINO QUE DESAPARECEU: O “PHENIX”, um dos mais poderosos submersíveis franceses imergiu anteontem ao largo de Saigon, com 71 homens a bordo e não voltou à superfície”.



O Presidente do Estado, Óscar Carmona e o Presidente do Conselho, Oliveira Salazar (Foto Wikipédia).  


No entanto, mais de metade da página encontrava-se dedicada à próxima visita do Presidente da República a África. Assim, titulado em letras garrafais: “O CHEFE DO ESTADO (ÓSCAR CARMONA) parte hoje às 18 horas para a visita oficial a Cabo Verde, Moçambique e União Sul-Africana”.



O paquete “Colonial” (pintado de branco) frente ao Cais das Colunas, tal como conduzirá o Chefe do Estado na sua viagem a África (Foto Wikipédia). 


“Extenso texto acentuado por vários subtítulos: “A homenagem da Aviação”; “O cortejo fluvial”; “O itinerário da viagem”; “A divisão naval que escolta o Chefe do Estado”; “Os enviados especiais que acompanham o Chefe do Estado” (Imprensa estrangeira); “Uma expressiva homenagem do Clube Náutico e da Sociedade de Propaganda de Cascais”
A notícia do retumbante acontecimento incluía a inserção de quatro fotografias relativas ao excepcional evento e respectivas legendas: “Uma expressão optimista do Chefe do Estado”; “O senhor Presidente do Conselho foi ontem à noite a Cascais despedir-se do senhor Presidente da República”; “Dr. Francisco Vieira Machado, Ministro das Colónias”; “O paquete “Colonial”, todo pintado de branco, tal como conduzirá o Chefe do estado na sua viagem a África. África”
Outras notícias: “MIL AVIÕES FRANCESES E BRITÂNICOS tomarão parte numa grande manifestação de forças aéreas que vai realizar-se em Paris de 16 a 17 do próximo mês”;



Aviões Spitfire vão tomar parte num festival aéreo que se realizará em Paris nos dias 16 e 17 de Julho (Foto Wikipédia). 


“PRINCIPIA HOJE o primeiro voo histórico entre os Estados Unidos e a Europa”; “O Japão intensifica a sua política anti-britânica”. Ler noticiário na 5ª página. 



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Pois bem, a finalizar o noticiário e alinhado no canto inferior direito, algumas informações sobre a chegada do benemérito Bonifácio onde se encontrava, também afixado o 4º cupão com a sílaba CI:



O 4º cupão afixado na 1ª página do Diário de Notícias do dia 17 de Junho de 1939 (in Diário de Notícias) 



DOIS CONTOS a quem apanhar 
AMANHÃ, DAS 18 PARA AS 19 HORAS 
O BONIFÁCIO que desce em paraquedas sobre Lisboa 

“Os amigos do Bonifácio e as pessoas que estão guardando os cupões para a sua recepção contam as horas, contam os minutos que faltam para a sua chegada triunfal. Não será muito longa essa ansiedade, porque o grande acontecimento está marcado para amanhã, das 18 às 19 horas, o Bonifácio, homem moderno, prima em ser pontual”
“O avião voará baixo sobre a cidade e subirá a Avenida lançando prospectos que anunciarão agradáveis surpresas ao público e principalmente aos leitores do Diário de Notícias”. “Depois, Bonifácio elevar-se-á para escolher o ponto mais favorável para a descida em paraquedas. Esse ponto não será em caso algum o Parque Eduardo VII”
“É amanhã, pois o grande dia. Quem levar recortados os 5 cupões (de que hoje damos o nº4) e for o primeiro a tomar contacto com o nosso herói terá o prémio de 2.000 escudos”



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Enfim, a passos largos aproximava-se o momento culminante em que o famoso Bonifácio seria lançado em paraquedas e, finalmente abraçaria o povo da cidade de Lisboa. 
A antevéspera de todas as sensações chegou, o povo da cidade de Lisboa estoirava de inconcebível alvoroço e prantava-se de fuças empinadas p’ró firmamento mal pressentia o roncar de qualquer avião. Jamais tamanha doideira atormentara a população alfacinha. 
E Augusto Castelhano que também já embarcara na onda eufórica provocada pela vinda do almejado “Bonifácio” voltou a rogar à cara-metade Maria Augusta que não perdesse de vista nem os jornais e, muito menos todos os cupões se, por porventura, já os recortar. 
“Agora, mais que nunca, uma vez que o filho António resolveu andar parvamente encrencado e garante a toda a gente que encontra pelo caminho que será ele, ele mesmo que vai apanhar o estupor do Bonifácio. E mais, mal entra em casa ou na alfaiataria da Avenida Casal Ribeiro, não pensa noutra coisa. Ainda se vai lixar com o patrão, agora que vai bem encarreirado na arte que escolheu. É um verdadeiro massacre todo o santo-dia, louvado seja Deus. Andam todos doidos, rás-parta o maldito Bonifácio”
A esposa Augusta, sempre atarefada com os múltiplos afazeres domésticos, há muito tempo que deitara o assunto p’ra trás das costas. “Quero lá saber, era só o que faltava andar-me a “ralar” com tal fantochada”
A Lucialina, a Maria Manuela e a Maria Helena acirravam o irmão António, mal lhe deitavam a vista em cima: “Que se deixasse de tanta gabarolice, seria quase um milagre se tivesse a sorte de apanhar o Bonifácio no meio de milhares de pessoas ávidas de arrebanhar os dois contitos de réis. Tem juízo na cachimónia”
E António começou a dar indícios de algum desânimo e já andava a murmurar pelos cantos: “Se ao menos o grande safado do Bonifácio resolvesse descer aqui pertinho”
Enervado, enfiou-se na cama e, algo obcecado com o Bonifácio, tentou dormir… 

[Continua]


***** O autor rejeita as normas do Novo Acordo Ortográfico. 



NOTAS

(1)- Texto inserido no "Diário de Notícias" no dia 9 de Junho de 1939 anunciando a sua vinda a Lisboa. 

“Bonifácio é infatigável. Anteontem, telegrafou-nos de Paris, pois, através do nosso colega vespertino, a ”Noite”, vimos com espanto que se encontrava ontem, mesmo, em Luxemburgo, na metrópole dos brinquedos. A hora avançada da noite, recebemos novo telegrama do Bonifácio. No que ele nos diz e ordena aí vai um breve resumo”. 
“Bonifácio chega por toda a próxima semana, A necessidade de preparar a bagagem impede-o ainda, contra seu desejo, de indicar o dia certo da chegada a Lisboa. E, torna a insistir. No sábado somente poderá informar-nos”. 
“Pretende Bonifácio que a notícia do seu aparecimento seja motivo de júbilo e, por isso, quer que façamos espalhar no próximo domingo por todos os bairros de Lisboa prospectos/programas anunciando a feliz nova”. 
“Mas, sempre o mesmo, este Bonifácio, pretende ele que a difusão da notícia provoque um verdadeiro entusiasmo. E, por isso, propôs-nos que alguns desses programas, dezenas e dezenas, sejam numerados a vermelho. E cada um destes dará direito a um prémio pecuniário”. 
“Aqui está o que ordena o Bonifácio e que vamos esforçar-nos por cumprir. O público de Lisboa fica, porém, certo de uma coisa, é que dos papelinhos espalhados anunciando a chegada do Bonifácio alguns, os numerados, valem dinheiro que é a primeira oferta do Bonifácio”.







quarta-feira, 14 de maio de 2014

A Quinta de Montalegre e o “Bonifácio” (3)



Ler aqui o 1º Capítulo e o 2º Capítulo.




Todos os direitos reservados @ Fausto Castelhano, "Retalhos de Bem-Fica" (2014)



Capítulo III - O renascer da Quinta de Montalegre 


(por Fausto Castelhano **)



Oriundo da região de Aveiro, Augusto Rodrigues Castelhano nasceu no dia 2 de Setembro de 1892 na aprazível Freguesia de Salreu, Concelho de Estarreja, precisamente no povoado das Pedreiras, lugarejo sobranceiro ao fértil vale do rio Antuã por onde o curso de água serpenteia ladeado, ora por frondosas matas de pinheiros, carvalhos e eucaliptos, ora pelas fecundas várzeas de aluvião das suas margens, perfazendo a distancia aproximada de 38 Km desde a sua nascente em S. Marcos, lugar da freguesia de Fajões (concelho de Oliveira de Azeméis) até desaguar na formosa Ria de Aveiro.


O rio Antuã frente ao Tribunal de Estarreja. 
(Óleo de J. Mendonça - Foto Wikipédia) 


Cobrindo extensa e fértil bacia hidrográfica de 149,2 Km2, a foz do rio Antuã encontra-se localizada a sudoeste da cidade de Estarreja depois de atravessar os concelhos de Oliveira de Azeméis, S. João da Madeira e Estarreja. O lugarejo das Pedreiras onde Augusto Castelhano viu pela primeira vez a luz do dia, fica um pouco à ilharga da acolhedora “Praia dos Tesos”, junto à turbina e ao açude que se assumia como admirável praia fluvial de águas límpidas, local pitoresco e bastante concorrido pela população das redondezas, graças à quietude ambiental do espaço envolvente e onde sobressaíam as sementeiras de regadio (milho e feijão, batata e leguminosas) por entre os renques de choupos e salgueiros, árvores de fruto ou latadas das odoríferas uvas “morangueiras” (“americanas”) compondo assim, um cenário verdadeiramente encantador.



A “Praia dos tesos” e a turbina no Rio Antuã. Imagem dos anos 90 do século XX 
(Foto Wikipédia) 


A um nível inferior em relação ao açude e na própria correnteza do rio Antuã, avultava o utilíssimo lavadouro natural das comunidades limítrofes. Também denominada Praia dos Pobres, Praia da Turbina ou simplesmente Turbina, nome que lhe advém de antiga represa para aproveitamento hidroeléctrico do rio Antuã e que actualmente se encontra abandonada. Outrora, a energia gerada através de uma turbina fornecia electricidade à Quinta da Costa (“Casa dos Marques Rodrigues”), iluminava ruas da freguesia de Salreu e alimentava a maquinaria da Fábrica de Descasque de Arroz localizada perto da Estação da CP de Estarreja. Filho mais novo de modestíssimos agricultores (Francisco Rodrigues Castelhano e Margarida Duarte), Augusto Castelhano logo que perfez 15 anos de idade e depois do final das colheitas em Setembro de 1907, abalou da terra natal e demandou a cidade de Lisboa tendo por meta principal, granjear muito melhores condições económicas que lhes estariam vedadas na sua terra natal.



Augusto Rodrigues Castelhano na cidade de Lisboa em 1912. 
(Foto do Arquivo de Fausto Castelhano) 


Augusto Castelhano será acolhido por dois irmãos mais velhos e já residentes na capital alfacinha desde há alguns anos, a irmã Palmira Rodrigues Castelhano, comerciante de frutas e hortaliças, moradora em Palma de Baixo, próximo na junção da Estrada das Laranjeiras e da Estrada da Luz e Manuel Rodrigues Castelhano que se lançara à vida com uma venda de leite ao domicílio na cidade de Lisboa. Residia, então, na Quinta do Fole (também conhecida por Quinta do Paraíso) localizada na antiga Estrada de Sacavém, nº183, Freguesia de Arroios, Concelho de Lisboa e onde Augusto Castelhano fixará, doravante, residência na companhia do mano mais velho.



Manuel Rodrigues Castelhano em 1940, irmão mais velho de Augusto Castelhano e que o acolheu na Quinta do Fole (antiga Estrada de Sacavém, 183) quando demandou a cidade de Lisboa. 
(Foto do Arquivo de Fausto Castelhano) 


Augusto Castelhano terá oportunidade de assistir às extraordinárias movimentações políticas num país em permanente convulsão que conduziram, tanto ao Regicídio (2 de Fevereiro de 1908), como pouco tempo depois, às ocorrências que levaram à implantação da República Portuguesa (5 de Outubro de 1910), eventos que descrevia com evidente entusiasmo e dos quais guardava indeléveis recordações. Amiúde e aos serões, deliciando-se com uma caneta de café quente e o inevitável cheirinho de bagaceira, prendia-nos a atenção quando imbuído de indisfarçável deleite narrava, guarnecendo com todos os pormenores, tantas peripécias surpreendentes ocorridas durante o espaço de alguns anos da sua existência e que tinham a virtude de nos encantar de modo absoluto. Ao atingir a maioridade (21 anos) em 1913, Augusto Castelhano vai apresentar-se “às sortes” na Inspecção Militar e, depois de apurado para todo o serviço militar, assentará “praça” no Exército Português e será incorporado na arma de Infantaria.



Palmira Rodrigues Castelhano, irmã de Augusto Rodrigues Castelhano. Foto com dedicatória: “Lisboa, 4 de Novembro de 1928-Ofereço este meu retrato ao meu querido irmão Augusto para que nunca mais se esqueça desta que te quer bem”. 
(Foto do Arquivo de Fausto Castelhano) 


Entretanto e devido a motivos extremamente complexos, mas cuja causa imediata aponta para o assassinato em Sarajevo de Francisco Ferdinando (Arquiduque do Império Austro-Húngaro) pelo sérvio nacionalista Gavrillo Princip, rebenta a chamada 1ª Guerra Mundial, exactamente no dia 28 de Junho de 1914. O conflito vai envolver as grandes potências de todo o mundo, as quais se vão organizar em dois blocos opostos: a Tríplice Entente (França, Inglaterra e Rússia) e a Tríplice Aliança (Império Alemão, Império Austro-húngaro e a Itália. Em Portugal vão confrontar-se duas tendências antagónicas que se digladiam mutuamente: contra a guerra (Republicanos, Unionistas de Brito camacho, Clericais, Anarco-sindicalistas e Monárquicos) e a favor da participação activa no conflito (Democráticos, partidários de Afonso Costa).



Augusto Rodrigues Castelhano em 2 de Março de 1914 quando já se encontrava incorporado na arma de Infantaria do Exército Português. 
(Foto do Arquivo de Fausto Castelhano) 


Porém, já em 11 de Setembro de 1914 e sob o comando do coronel Alves Roçadas, um corpo expedicionário de 1.500 homens embarca a caminho de Angola, tal como uma expedição militar será enviada para Moçambique, comandada por Pedro Massano de Amorim, no intuito de defenderem as possessões coloniais dos ataques das forças germânicas. Não obstante, a 31 de Outubro de 1914, a guarnição militar portuguesa em Cuanza (Angola), é massacrada por soldados alemães, agravando a situação portuguesa na fronteira com a colónia alemã (actual Namíbia). Entretanto e tendo por finalidade conferenciar com o Estado-Maior britânico e preparar a eventual entrada de Portugal na guerra, uma missão portuguesa composta pelos capitães Ivens Ferraz, Fernando Freiria e Azambuja Marina, desloca-se a Londres a 18 de Outubro de 1914. A 30 de Dezembro de 1915 e em nome da “Aliança luso-britânica”, o Foreign Office, consulta o governo português sobre a possibilidade de requisitar os navios alemães surtos nos portos nacionais, tanto no continente, como nas ilhas e ultramar, fazendo saber que seriam de grande utilidade no esforço de guerra.



Augusto Castelhano em 1916, já mobilizado pelo C.E.P. (Corpo Expedicionário Português) e em vésperas de embarcar para França. 
(Foto do Arquivo de Fausto Castelhano) 


Assim, a 23 de Fevereiro de 1916 e a pedido do governo britânico, as autoridades portuguesas apresaram os navios alemães que se encontravam estacionados nos portos do continente português, ilhas e colónias e em Abril e Julho do mesmo ano, foi igualmente executada a requisição dos vapores austro-húngaros. Na totalidade, o governo português apreendeu 72 navios. De imediato, a Alemanha declara guerra a Portugal e pouco depois, segue-se o corte de relações diplomáticas com a Áustria-Hungria.



Acto de guerra. O arriar do pavilhão alemão do vapor Enérgie. Em 23 de Fevereiro de 1916 e a pedido do governo britânico, as autoridades portuguesas requisitaram todos os navios alemães surtos nos portos nacionais e coloniais. 
(Foto Wikipédia) 


A reacção germânica foi célere e logo no dia 9 de Março de 1916, o ministro alemão entregou em Lisboa, uma declaração de guerra ao Ministro dos Negócios Estrangeiros português. Ora, o anúncio da eventual entrada na guerra de tropas portuguesas no espaço europeu espalhou-se de norte a sul do país como rastilho imparável e provocou um impacto brutal na sociedade portuguesa. Apesar de fortíssima contestação e de repúdio pela participação na guerra, tanto do sector civil como militar, o governo português decretou a mobilização geral no início do mês de Junho de 1916. Os cidadãos lusos entre os 20 e os 45 anos de idade são chamados a prestar Serviço Militar Obrigatório. As autoridades oficiais justificam a tomada de posição com o argumento da defesa das possessões coloniais em África. Apesar de algumas reticências por parte da Inglaterra, o governo português impôs a presença de Portugal no palco de guerra europeu e vai envolver-se em duas frentes de combate: África e Europa. As tropas mobilizadas serão integradas num organismo entretanto criado, o Corpo Expedicionário Português-C.E.P. sob a direcção de Norton de Matos na qualidade de Ministro da Guerra e o concurso do general Tamagnini de Abreu.



Cartaz com o rei Jorge V de Inglaterra e o Presidente da República Portuguesa, Bernardino Machado depois do Governo Britânico solicitar em Fevereiro de 1916, a intervenção de Portugal na 1ª Guerra Mundial. 
(Restos de Colecção - Portugal na 1ª Guerra Mundial) 


Aos militares mobilizados e após receberem instrução preliminar ministrada nos quarteis da 2ª, 5ª e 7ª Divisões (Viseu, Coimbra e Tomar,), serão acantonados no Campo de Instrução de Tancos durante os meses de Abril a Junho de 1916 onde vão praticar exercícios militares conjuntos tendo em vista a campanha militar no teatro de guerra na Europa.



Treino preliminar das tropas do C.E.P. (Corpo Expedicionário Português) no Campo de Instrução de Tancos em Agosto de 1916. 
(Foto Wikipédia) 


Em Agosto findam os exercícios do primeiro contingente da Divisão de Instrução (20.000 homens das armas de Sapadores, Cavalaria e Infantaria) e até ao termo do ano de 1916 será reforçada com mais 10.000 militares, sendo acrescido por duas Divisões no ano de 1917. Isto é, perfazendo um total de 55.165 homens, além de 54 mulheres (enfermeiras da Cruz Vermelha.


Embarque de tropas do C.E.P.-Corpo Expedicionário Português no Cais de Alcântara com destino ao porto francês de Brest. 
(Foto de Wikipédia-Restos de Colecção) 


Ainda a 30 de Agosto de 1916, chega a Portugal a Missão Militar Anglo-francesa com a finalidade de planear com o Estado-Maior Português, a melhor forma de utilização das tropas portuguesas no âmbito da coligação dos Aliados Assim e no seguimento de várias reuniões entre as partes, o Ministério da Guerra inglês (através de telegrama enviado no dia 5 de Novembro de 1916), estabelece a colaboração de Portugal no teatro de operações em França e que assentavam em três pontos principais: os militares portugueses ficariam sob as ordens de Sir Douglas Haig do Comando Superior Britânico, embora com larga autonomia; as tropas receberiam treino complementar em França antes da sua intervenção na “Linha da Frente”; o governo britânico assegurava, não só transporte, mas também o adequado equipamento das tropas portuguesas.



A “guerra de trincheiras” em plena planície da Flandres (França) na 1ª Guerra Mundial. 
(Foto Wikipédia) 


Com a proximidade do embarque para França verificam-se focos de resistência à incorporação no C.E.P. que se vão intensificar no mês de Dezembro, a par de insubordinações nos quartéis, deserções, etc. Receando o rápido alastramento das crescentes desmotivações, as autoridades oficiais elaboram o plano de embarque com a maior urgência possível tendo na devida conta, a capacidade dos navios disponíveis: sete embarcações britânicas e dois navios portugueses (Pedro Nunes e Gil Vicente).



Manuel Maria Marques (irmão de Maria Augusta Marques, futura esposa de Augusto Castelhano em 1937), combatente nas campanhas de Angola em 1917/18 contra as tropas germânicas. 
(Foto do Arquivo de Fausto Castelhano) 


A 18 de Janeiro de 1917, Fernando Tamagnini de Abreu é nomeado comandante do Corpo Expedicionário Português e a 30 de Janeiro de 1917 zarparam do Cais de Alcântara (Lisboa) com destino a França, três vapores britânicos que levavam a bordo as primeiras tropas portuguesas: a 1ª Brigada do C.E.P. (onde se incluía o soldado Augusto Castelhano) comandada pelo general Gomes da Costa. Quando desembarcam a 2 de Fevereiro de 1917 e após transporem o portaló dos navios pisando terra firme, Augusto Castelhano e os seus camaradas de armas encontram-se na região da Bretanha, precisamente na cidade portuária de Brest que alberga um extenso conjunto de infra-estruturas, entre as quais o arsenal, utilizado desde há vários séculos como a base principal da Marinha Francesa para a Costa Atlântica. E assim, impreparados nas lides militares, escassamente equipados tanto a nível de fardamentos (impróprios para temperaturas extremas) como em armamento, os bisonhos militares portugueses serão atirados para um terrível ambiente de guerra onde se vão engolfar nos horrores de combates contundentes como se tratassem de “carne p’ra canhão”. Imediatamente, as tropas portuguesas serão deslocadas de Brest para o norte de França (zona da Flandres) por meio de transportes militares e o C.E.P. vai ocupar um sector junto dos britânicos (Artois perto de Armentiêres). Após curta mas intensa preparação militar proporcionada pelo exército inglês (já presente no terreno desde o ano de 1914) versando cursos especializados sobre diversas armas que iriam completar a instrução facultada em Tancos (tiro, esgrima, granadas, gaz, metralhadoras, observação, patrulhas, etc. além do desejável fornecimento de compatíveis fardamentos às condições climatéricas existentes em latitudes mais a norte do continente europeu.




Augusto Castelhano em 3 de Novembro de 1917 em plena 1ª Grande Guerra de 1914-18 em França. A dedicatória: “À minha querida mãe, com muitas saudades, e para que nunca se esqueça de mim”. Augusto. 
(Foto do Arquivo de Fausto Castelhano) 


As tropas portuguesas são lançadas em combate da Linha da Frente pela primeira vez no dia 2 de Abril 1917. Augusto Castelhano e seus companheiros de infortúnio irão enfrentar impiedosos confrontos com as aguerridas tropas germânicas em circunstâncias e cenários verdadeiramente dramáticos e onde, atolados na lama gelada das trincheiras da Flandres, serão fustigados pelas severas intempéries de frio intensíssimo ou granizo, chuva ou neve, sofrem penosas agruras sem fim, acossados tanto pela fome mais pungente, como da ameaça do sinistro gaz asfixiante e o pânico dos combates, o temor da mortífera metralha do inimigo ou a ameaça constante de ferimento ou morte.



Augusto Rodrigues Castelhano em 11 de Fevereiro de 1918 em plena 1ª Guerra Mundial na Flandres. 
(Foto do Arquivo de Fausto Castelhano) 


Augusto Castelhano sairá do funesto conflito ligeiramente atingido por pequeno estilhaço de granada que felizmente não deixará quaisquer sequelas. Carregadinho de saudades e em condições físicas extremamente deploráveis, regressa a Portugal apenas em Março de 1919, isto é, período temporal demasiado longo depois das nações beligerantes acordarem na assinatura do Armistício que ocorreu a 11 de Novembro de 1918. Apenas guardará como recordações do mau passadio em terras de França, o cinturão do fardamento britânico, um conjunto de moedas (francos), a bandeira da República Portuguesa e que em 1943, Maria Augusta (2ª esposa de Augusto Castelhano) cortaria a meio e transformaria o tecido vermelho numa blusa para o filho Fausto Augusto que ficou absolutamente embevecido.




Aurora Mendes de Almeida, natural do lugar de Carvalha, freguesia de Penalva de Alva (Concelho de Oliveira do Hospital) e primeira esposa de Augusto Rodrigues Castelhano. 
(Foto cedida por Teresa Castelhano) 


Na sua relação com o sagrado, conservará o estranho amuleto contra os perigos que enfrentaria nos campos de batalha da Europa e que a sua mãe e minha avó, Margarida Duarte, lhe dependurara ao pescoço antes de partir para França em Janeiro de 1917: um pequenino saco de pano preso por um cordão e que anos mais tarde, precisamente em 1948, resolvemos abrir, tendo-se constatado que continha sementes misteriosas de uma qualquer planta de efeitos protectores que, afinal de contas seria a primacial virtude de tais talismãs. Manteve, ainda o medalhão da Liga dos Combatentes da Grande Guerra de que se orgulhava de modo particular e que a seu muito levou p’rá tumba quando faleceu a 12 de Janeiro de 1970.



Augusto Rodrigues Castelhano em 1925. 
(Foto do Arquivo de Fausto Castelhano) 


Nesse mesmo ano de 1918 e com a idade de 26 anos, contraiu matrimónio com a jovem namorada que deixara em Portugal durante o período de tempo em que participou na 1ª Guerra Mundial, Aurora Mendes de Almeida (doméstica), natural do lugar de Carvalha, freguesia beirã de Penalva d’Alva (concelho de Oliveira do Hospital), onde nasceu a 19 de Dezembro de 1891, filha de António d’Almeida (falecido a 9/1/1918) e de Maria da Piedade Mendes (faleceu a 12/3/1939). Os recém-casados fixaram domicílio na Quinta do Fole (Quinta do Paraíso), sita na antiga Estrada de Sacavém, 183. Ainda no ano de 1920 e residentes no mesmo local, Augusto Castelhano vai dedicar-se à venda de leite porta-a-porta nas ruas da cidade de Lisboa, aliás uma actividade bastante difundida na capital lisboeta. De permeio, ocorre o nascimento do primogénito António d’Almeida Castelhano no dia 19 de Maio de 1920 tendo sido registado com a naturalidade da Freguesia de Arroios, Concelho de Lisboa. Os tios Manuel Rodrigues Castelhano (leiteiro) e a esposa Antónia de Jesus Castelhano (doméstica), também moradores na Quinta do Fole (Estrada de Sacavém, 183) apresentaram-se como padrinhos de baptismo do sobrinho António. Corria o ano de 1923 quando Augusto Castelhano vai enveredar por outra ocupação e assim, decide estabelecer-se com um café/leitaria, situado na Rua Carlos Testa, freguesia de S. Sebastião da Pedreira, onde permanecerá até ao termo de 1925, ano em que trespassou o referido estabelecimento comercial.



O leiteiro João Maria Marques (irmão de Maria Augusta Marques, amigo e conterrâneo de Augusto Castelhano) em 3 de Abril de 1920 na distribuição de leite ao domicílio na cidade de Lisboa. 
(Foto do Arquivo de Fausto Castelhano) 


Ora, no mesmo ano de 1923, o irmão mais velho, Manuel Castelhano, arrendou para fins agrícolas, a Quinta de S. João, sita na Estrada da Luz, 152 e transcorrido breve espaço de tempo, tornou-se próspero agricultor. Pois bem, aproveitando a ocasião, a família de Augusto Castelhano vai residir, também, na citada quinta ocupando uma habitação disponível cedida pelo irmão Manuel Castelhano.



António d’Almeida Castelhano, filho primogénito de Augusto Rodrigues Castelhano e de Aurora Mendes de Almeida nasceu a 19 de Maio de 1920 na Quinta do Fole (Quinta do Paraíso), Estrada de Sacavém, 183. 
(Foto cedida por Teresa Castelhano) 


Entretanto, a 22 de Maio de 1925 e no novo domicílio localizado na da Quinta de S. João (Estrada da Luz, 152 - Freguesia de Benfica), ocorre o nascimento do segundo rebento do casal Augusto e Aurora: Lucialina de Almeida Castelhano. O baptizado efectuou-se na Igreja Paroquial de Benfica e os tios Manuel Rodrigues Castelhano (agora, agricultor) e a esposa Antónia de Jesus, moradores na já referida Quinta de S. João, foram os padrinhos. As constantes insistências de Manuel Castelhano sobre o irmão mais novo surtiram efeito positivo e assim, Augusto Castelhano acabou por anuir aos seus conselhos e em 1926, após oportuno trespasse da loja, largou o negócio do café/pastelaria da Rua Carlos Testa e tomou de arrendamento a soberba Quinta de Montalegre (vizinha da Quinta de S. João, Estrada da Luz) e que se encontrava nitidamente subaproveitada. A excelente herdade sobressaía, sobretudo pela existência de solos fertilíssimos e água em abundância, excelente olival com cerca de 2.000 pés de oliveiras, inúmeras espécies de árvores frutícolas, além de acolhedora área de lazer constituída por encantador bosque de buchos ornamentado pela espectacular Cascata Monumental que era abastecida por inesgotável mina de águas cristalinas. A Quinta de Montalegre englobava, também vários aposentos de habitação e de apoio aos trabalhadores rurais, vacaria e cavalariça, estábulos, palheiros e arrecadações para alfaias agrícolas e outras, capoeiras (coelhos e galinhas) e pocilgas para suínos, etc.



Maria Mendes da Piedade (falecida em 12/3/1939) mãe de Aurora Mendes de Almeida (primeira esposa de Augusto Rodrigues Castelhano) com a neta nascida em 1929, Maria Manuela d’Almeida Castelhano. Encontra-se ladeada por dois outros netos (Aurora e José) filhos de Isaura, uma outra filha Maria Mendes da Piedade moradora na Estrada da Luz, 181. 
(Foto cedida por Teresa Castelhano) 


Augusto Castelhano firmou contractos de arrendamento anuais com a titular da Quinta de Montalegre e rodeou-se de um valioso grupo de dedicados trabalhadores rurais contratados, mormente na região de Aveiro (António Russo, Manuel Rodrigues, (“ti’ Conde”), Godinho, Gonçalo, António Augusto (casado com Olívia Marques, irmã de Maria Augusta Marques, futura esposa do segundo matrimónio de Augusto Castelhano e tantos outros) e que no decorrer das suas existências continuaram a manter sólidas amizades com a família de Augusto Castelhano e os seus descendentes.


As três filhas do casal Augusto e Aurora em 1937: Maria Manuela, Lucialina, uma amiga, e Maria Helena, posam na Quinta de Montalegre em Carnide/Benfica. 
(Foto do Arquivo de Fausto Castelhano) 


Aos poucos, apetrechou a vacaria de vacas leiteiras (que atingem o número máximo de três dezenas), além de possante junta de bois exclusivamente destinados à tracção nas tarefas da lavoura (arados, charruas ou carroças, etc.) e o indispensável boi de cobrição, rezes adquiridas mormente nas feiras de gado da Malveira, Moita e Pinhal Novo e também, o garboso cavalo (com que sempre sonhara) que atrelava à galera aquando dos passeios dominicais ou dias festivos. Imprime uma notável dinâmica no desenvolvimento da herdade de modo a usufruir das suas enormes potencialidades. Os óptimos proventos obtidos na magnífica exploração agrícola da Quinta de Montalegre vão assentar doravante, sobre quatro principais pilares principais e que passaram a registar elevados índices de eficiência: Cerealífero, tanto de sequeiro (trigo, aveia, milho), como de regadio, além de forragem destinada à alimentação de gado, principalmente bovino; sector leiteiro a cargo de três dezenas de vacas de elevado rendimento; olivicultura, área de superior relevância e que abrangia valioso olival composto por dois milhares de pés de oliveiras de castas de óptima produtividade e donde se obtinham apreciáveis volumes de azeite catalogado de qualidade extra; horticultura onde se produziam as mais variadas de espécies de leguminosas graças à luxuriante horta irrigada por abundante água de poço extraída por meio da peculiar turbina eólica que despejava o precioso líquido num enorme reservatório muitíssimo conhecido nas redondezas: o tão famoso tanque/piscina da Quinta de Montalegre onde tantos e tantos jovens deram as primeiras braçadas.



Augusto Castelhano (já viúvo), filhos e familiares em 1937 posam no tanque de rega da horta na Quinta de Montalegre. No primeiro plano, as filhas Maria Helena e Maria Manuela e ainda, a sogra (primeiro casamento) Maria Mendes de Almeida. No segundo plano, Augusto Castelhano, familiares, a filha Lucialina e o filho António. 
(Foto do Arquivo de Fausto Castelhano) 


Implementou a extracção intensiva de argila da lucrativa “barreira” que albergava fartas reservas de matéria-prima e negoceia novos e vantajosos contratos de fornecimento de barro com as reputadas Cerâmica de Carnide (Quinta do Sagrado Coração de Jesus, Azinhaga dos Cerejais) e a Cerâmica Sanches, situada uma pouco além da confluência da Azinhaga do Ramalho com a Rua dos Soeiros. Diariamente fornece os mais variadíssimos géneros de leguminosas e hortícolas, tanto ao Mercado da Praça da Figueira (encerrada em 1947), como noutros locais de venda das proximidades e, também na própria Quinta de Montalegre.



João Maria Marques, a esposa Maria do Rosário (pais de Maria Augusta Marques) e o filho Augusto Marques (irmão de Maria Augusta Marques em vésperas de emigrar para o Brasil) em Salreu (Concelho de Estarreja) em 1920. 
(Foto do Arquivo de Fausto Castelhano) 


Enquanto progride de modo acentuado no plano económico mercê de fartos proventos conseguidos na exploração agrícola da Quinta de Montalegre, o casal Augusto e Aurora será enriquecido com o nascimento de mais duas filhas no breve espaço de dois anos. Maria Manuela nasceu a 30 de Janeiro de 1929 e será baptizada na Igreja Paroquial de Benfica, tendo como padrinhos, os tios Manuel Francisco da Silva e esposa Isaura Mendes de Almeida, residentes na Rua Alves Torgo, 194 em Lisboa. Maria Helena que vem ao mundo a 14 de Maio de 1931, baptizada na Igreja Paroquial de Benfica e onde teve como padrinhos, Helen Alexander e Leonard Abbot Pearson.



Maria Augusta Marques (a última, à direita e que casaria com Augusto Castelhano) com as irmãs (Guilhermina, Adelaide (emigrou para o Brasil), Maria, Olívia e Francelina), o irmão Augusto (em vésperas de emigrar para o Brasil) e o pai João Maria Marques (alfaiate) em Salreu, 1919. 
(Foto do Arquivo de Fausto Castelhano) 


Porém, a vida nem sempre é recheada de rosas e, no decurso de 1936, uma inesperada e dolorosa tragédia abate-se sobre a família de Augusto Castelhano: grave e irreversível doença acomete a esposa Aurora que culminará no seu falecimento no dia 11 de Setembro deste mesmo ano. Agora com 44 anos, Augusto Castelhano fica com o encargo de quatro filhos menores e, apesar de enfrentar um tremendo abalo emocional com o falecimento da sua esposa, consegue recuperar pouco a pouco do difícil transe que lhe surgiu portas adentro.



Maria Augusta Marques em 1928 contraiu matrimónio com Augusto Rodrigues Castelhano no dia 2 de Junho de 1937 na Igreja de S. Martinho de Salreu. 
(Foto do Arquivo de Fausto Castelhano) 


Pois bem, no intuito de reconstituir o agregado familiar, Augusto Castelhano toma a decisão de contrair novo enlace, agora com Maria Augusta Marques, filha de João Maria Marques (alfaiate) e de Maria do Rosário (doméstica), conterrânea e procedente de família já conhecida e amiga, natural do lugar do Picoto, freguesia de Salreu (concelho de Estarreja). Maria Augusta Marques nasceu no dia 19 de Abril de 1902 e fazia parte de uma família bastante numerosa composto por 12 irmãos, seis do sexo masculino e seis do sexo feminino. A cerimónia nupcial realizou-se no dia 2 de Junho de 1937 na Igreja Matriz de S. Martinho de Salreu, concelho de Estarreja. Em 1938 e na sequência da habilitação de herdeiros originada pelo falecimento da primeira esposa, os haveres existentes serão retalhados e redistribuídos por Augusto Castelhano e pelos filhos do primeiro casamento, património que será reposto facilmente. Do segundo casamento de Augusto Castelhano com Maria Augusta vão surgir mais três filhos: Carlos Alberto (Quinta de Montalegre, Benfica/Lisboa, 9 de Maio de 1938), Fausto Augusto (Quinta de Montalegre, Benfica/Lisboa,11 de Maio de 1940 e registado na freguesia de Salreu/Estarreja/Aveiro, apenas em 11 de Agosto de 1941) e Orlando Manuel (Quinta do Charquinho, Benfica/Lisboa, 12 de Setembro de 1945).



Casamento de Augusto Castelhano com Maria Augusta Marques no dia 2 de Junho de 1937 realizado na Igreja Paroquial de S. Martinho, freguesia de Salreu, concelho de Estarreja.
(Foto do Arquivo de Fausto Castelhano) 


Desde a sua chegada a Lisboa em 1907, Augusto Castelhano seguiu atentamente as movimentações operadas no plano político, social e económico que alteraram de modo bastante profundo a sociedade portuguesa. Mantinha-se, na medida dos possíveis, ao corrente dos acontecimentos, tanto no país como no estrangeiro por intermédio da leitura assídua do seu jornal de eleição, o Diário de Notícias, não obstante as frequentes restrições impostas pelas odiosas Comissões de Censura. O salutar hábito não se alterou depois do seu regresso da Flandres onde participou na 1ª Guerra Mundial e desde então, dedicará sempre esmerada atenção…



Carlos Alberto, nascido em 9 de Maio de 1938 e filho primogénito do casal Augusto Castelhano e Maria Augusta Marques - Foto de 15 de Dezembro de 1938. 
(Arquivo de Fausto Castelhano) 


E factos relevantes foram sucedendo: a tentativa de golpe militar de direita de 18 de Abril de 1925 liderada pelo general monárquico Sínel de Cordes, coadjuvado pelo capitão-de-fragata Filomeno da Câmara (Cruzada Nun'Álvares) e pelo republicano-conservador, tenente-coronel Raul Esteves. O golpe será frustrado pela actuação das forças policiais e militares com o apoio das massas populares, adeptas do governo que resolveu de imediato, declarar o estado de sítio em todo o País. A 19 de Julho de 1925, irrompe a Revolta da Marinha chefiada pelo capitão-de-fragata Mendes Cabeçadas (republicano conservador). O pronunciamento militar de 28 de Maio de 1926, chefiado pelo general Gomes da Costa tem lugar em Braga e a sua entrada triunfal comandando cerca de 15.000 homens, sucede a 6 de Junho de 1926. A 30 de Novembro de 1926, investidura de Óscar Carmona como Presidente da República e a 17 de Março de 1928, criação da Polícia de Informações, resultante da fusão das congéneres de Lisboa e do Porto, subordinada ao Ministro do Interior. A Revolta Militar na Madeira contra a ditadura é desencadeada a 4 de Abril de 1931 e a revolta dos Açores surge a 10 de Abril de 1931 provocada pelos presos políticos das ilhas açorianas de S. Miguel e Terceira contra o Governo de Lisboa. A proclamação da República de Espanha sucede no dia 14 de Abril de 1931 e a 5 de Julho de 1932, Oliveira Salazar será empossado como Presidente do Ministério.



O pronunciamento militar na madrugada do dia 28 de Maio de 1926 do general Gomes da Costa que chefiando a Junta de Salvação Pública proclama a partir de Braga que “A nação quer um governo forte que tenha por missão salvar a Pátria e que concentre em si todos os poderes para, na hora própria, os restituir a uma verdadeira representação nacional”. 
(Foto Wikipédia, Restos de Colecção) 


A 23 de Janeiro de 1933, directamente dependente do Ministério do Interior e destinada a actuar em todo o território metropolitano, é criada a Polícia de Defesa Política e Social. A 19 de Março de 1933, o projecto de Constituição Política será aprovado em plebiscito e no dia 11 de Abril de 1933, entra em vigor a Constituição Política da República Portuguesa.



Embarque de presos políticos do Movimento de 18 de Janeiro de 1934 para Angra do Heroísmo. 
(Foto Wikipédia) 


A criação da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE) ocorre a 29 de Agosto de 1933 e resulta da fusão da Polícia de Defesa Social e Política e da Polícia Internacional; a 10 de Novembro de 1933 serão deportados para a Fortaleza de S. João Baptista (Açores) cerca de 150 Presos Políticos. A 18 de Janeiro de 1934, tentativa de “Greve Geral Revolucionária” (Revolta da Marinha Grande) contra a legislação corporativa que vai suprimir as liberdades sindicais. A 10 de Setembro de 1935 tem lugar a tentativa revolucionária de elementos reviralhistas e nacional-sindicalistas que exigiam que o Presidente da República (Óscar Carmona) demitisse Oliveira Salazar. Ocorrem numerosas prisões e o capitão-de-mar e Guerra, Mendes Norton será desterrado para Cabo Verde. Em Espanha, vitória da Frente Popular (Republicanos de Esquerda, Socialistas, Comunistas, Trotsquistas e Sindicalistas) no dia 16 de Fevereiro de 1936, levando à formação de um governo presidido por Manuel Azaña. A 22 de Abril de 1936 é criada a Prisão do Tarrafal (“Campo da Morte Lenta”) na Ilha de Santiago (Cabo Verde) destinada a presos políticos e sociais e a célebre Mocidade Portuguesa, organização de juventude com carácter paramilitar é fundada a 19 de Maio de 1936. O início da Guerra Civil de Espanha terá início no dia 18 de Julho de 1936 com a sublevação das tropas do Exército Regular e da Legião Estrangeira chefiadas pelo general Franco, sobejamente conhecido pela sanguinolenta repressão da greve dos mineiros das Astúrias.



A miliciana francesa Maria Ginestà que se tornou um ícone da Guerra Civil de Espanha ao ser fotografada a 21 de Julho de 1936 nas açoteias do Hotel Colón de Barcelona. Faleceu aos 94 anos na cidade de Paris. 
(Foto Wikipédia) 


Dois dias depois, o general José Sanjuro, o cérebro da conspiração nacionalista é vítima de um desastre de avião quando se preparava para levantar voo do aeródromo da Quinta da Marinha (Cascais). Milhares de portugueses alistam-se nos famigerados Viriatos e vão participar activamente na Guerra Civil de Espanha integrados nas hostes nacionalistas do general golpista Francisco Franco.



Miguel Hernández Gilabert na linha da frente dos combates na Guerra Civil de Espanha incita os soldados republicanos. Oriundo de uma família pobre e de escassos estudos académicos, o grande poeta e dramaturgo da República Espanhola publicou o seu primeiro livro de poesias aos vinte e três anos de idade tendo obtido considerável fama antes de sua morte. Capturado em Portugal junto à fronteira, foi entregue às autoridades espanholas. 
(Foto Wikipédia) 


A Revolta da Marinha, coordenada pela Organização Revolucionária da Armada, afecta ao PCP-Partido Comunista português, irrompe a 8 de Setembro de 1936 e envolveu os navios Dão, Bartolomeu Dias e Afonso de Albuquerque. Os amotinados tentam, sem êxito, desviar os barcos para Espanha e colocá-los à disposição do Governo Republicano. Gorada a tentativa, serão mortos 10 marinheiros e 60 foram deportados para o Tarrafal. A 29 de Outubro de 1936 chega ao Tarrafal o primeiro contingente de presos políticos, entre os quais se encontra o secretário-geral do PCP, Bento Gonçalves. Na noite de 20 para 21 de Janeiro de 1937 e por iniciativa de grupos de anarquistas, explodem em Lisboa algumas bombas em locais bastante precisos: Ministério da Educação Nacional, Depósito de Beirolas, Depósitos da Vacuum de Alcântara, Casa de Espanha, Emissora Nacional, Rádio Clube Português e a 4 de Julho de 1937, sucede o atentado bombista contra Oliveira Salazar executado por elementos anarco-sindicalistas. Pilotos portugueses, integrados na Missão Militar Portuguesa de Observação em Espanha e que constituíam os “Viriatos do ar”, partem para o país vizinho no dia 3 de Abril de 1938 para combater na aviação franquista contra as forças republicanas, tendo-se destacado Pequito Rebelo, Pinto Basto, Soares de Oliveira e Krug.



Marinheiros da Organização Revolucionária da Armada-ORA são conduzidos, sobre escolta, para o Campo de Concentração do Tarrafal, em Outubro de 1936, por terem participado na revolta dos navios de guerra Bartolomeu Dias e Afonso de Albuquerque. 
(Foto do Arquivo da Direcção-Geral de Comunicação Social) 


Assinatura do "Pacto Ibérico" em 17 de Março de 1939, o Tratado de Amizade e Não-Agressão entre Portugal e Espanha; a 29 de Março de 1939 em Lisboa, manifestação de regozijo pela vitória do general Franco na Guerra Civil de Espanha e a 19 de Maio de 1939 na cidade de Madrid, desfile da “Vitória” dos nacionalistas de Francisco Franco e onde participaram os "Viriatos". Os “Viriatos” regressam a Portugal no dia 8 de Junho de 1939, apresentam-se a Santos Costa e são recebidos na Câmara Municipal de Lisboa pela União Nacional e pela Legião Portuguesa. O general Millan Astray vem a Lisboa agradecer a Salazar, em nome do general Franco e das Forças Armadas Espanholas, o auxílio dos voluntários portugueses.



O Sr. Ministro da Educação Nacional saudado à sua entrada no Instituto do Professorado Primário. 
(Foto do Diário de Notícias) 


Pois bem, ao folhear o “Diário de Notícias” no dia 11 de Junho de 1939 e logo na 1ª página, Augusto Castelhano deu de “caras” com o destacado anúncio da “Volta a Portugal em bicicleta” nos seguintes termos: “A Volta a Portugal” vai realizar-se este ano com características desportivas e populares absolutamente novas”. Fervoroso admirador da popular modalidade desportiva desde há muito tempo, Augusto Castelhano ficou verdadeiramente encantado. Todavia, ainda na 1ª página do matutino de Augusto de Castro, sobressaíam os títulos de outras notícias de real interesse, a saber: “As homenagens (de ontem) aos Senhores Presidente da República e Presidente do Conselho e à memória de Sidónio Pais no Instituto do Professorado Primário”. A notícia era acompanhada de foto com legenda, assim: “O Sr. Ministro da Educação Nacional saudado à sua entrada no Instituto” e onde se observava um grupo de educandos fazendo a saudação nazi/fascista. Outro título que incluía duas fotos referentes à terrível intempérie no norte de Portugal em pleno mês de Junho: “A catástrofe de Ponte do Lima foi das mais desastrosas dos últimos tempos”. Uma curta nota referia a próxima visita a Portugal do alucinado general franquista Millan Astray que se tornara célebre pela frase “Viva la Muerte”, além dos incontáveis desmandos praticados na Guerra Civil de Espanha: “Millan Astray assiste à festa do S. Luís depois de amanha”.



O capitão Botelho Moniz (em primeiro plano) no banquete oferecido pela Rádio Clube Português em honra dos famigerados “Viriatos” que, integrados nas hostes de Francisco Franco na Guerra Civil de Espanha, combateram contra o governo legítimo da República de Espanha. 
(Foto do Diário de Notícias) 


E no rescaldo da Guerra Civil de Espanha, outra saliente notícia com foto condizente, rezava assim: “Decorreu num ambiente de grande elevação patriótica o banquete oferecido pelo Rádio Clube Português aos “Viriatos” (tratava-se dos famigerados “Viriatos” que desempenharam um vergonhoso papel no combate ao governo legítimo da República de Espanha) e aos correspondentes de guerra (Guerra Civil de Espanha). Ainda outro título: “Artur Ribeiro Lopes fez ontem uma notável conferência em Bruxelas na qual historiou o ressurgimento de Portugal e a obra do Doutor Oliveira Salazar”. Mas, uma notícia intrigante inserida no Diário de Notícias nesse dia 11 de Junho de 1939 deixou Augusto Castelhano verdadeiramente estupefacto: “Esta tarde choverá dinheiro sobre Lisboa”


Continua...




** O autor repudia o Novo Acordo Ortográfico